Certa vez, conversando com um grande amigo de segundo grau, que cursava Artes Cênicas, confessei meu incômodo, meu sentimento de ignorância quando observava alguma obra de arte abstrata, cifrada etc. Então ele, sempre observando as coisas com um olhar inteligente, prático e sensível, disse-me mais ou menos isso: - Cadu, não tem um modelo, um jeito certo, é o sentimento, a impressão que lhe causar, é isso. Beleza. Fiquei mais tranqüilo e me permiti contemplar as obras sem sentir culpa por ser um ignorantão. Não há, portanto, um jeito certo de analisar as produções artísticas, mas elas deixam algumas pistas que aprendi a observar e quero compartilhar com vocês as minhas percepções sobre esta música. É o último sucesso da rede e, ao que me lembro,uma das poucas que não são toscas.
Fugindo da eterna e estéril discussão sobre a possibilidade de analisar letras de músicas como poesias, irei expor as minhas impressões sobre alguns elementos audiovisuais e textuais do vídeo postado – mais que uma música com letra, é um vídeo da internet e isso exige mais esforço e abertura do crítico do que costumeiramente estamos dispostos a aceitar. A primeira imagem é a de um rapaz com uma tentativa de barba no rosto, um cabelo meio bagunçadinho, olhando por uma janela, a qual apresenta uma paisagem que remete à cidade de Ouro Preto – MG, uma república, ou qualquer outra cidade classificada por nós como “histórica” (como se as outras não fossem), ele segura algo parecido com um tablet e tem uma cara boa, de quem acha que “viver é mais que isso”, e traja uma roupa de ficar em casa. A empatia inicial entre artista e público está estabelecida, claro que com um determinado público que se identifica com o perfil imaginado. A voz dele não ficaria entre as vinte de qualquer programa televisivo que caça talentos musicais. Essa voz “comum” aproxima ainda mais. Os primeiros versos trazem vocábulos familiares e afetivamente simpáticos ao público: meu amor, oração, salvar, coração. Oração é algo que só fazemos a quem consideramos seres superiores, capazes de nos trazerem alguma salvação, com poderes supra-materiais, como é quem se ama pra quem ama. Além disso, as orações, via de regra, repetem, como se o destinatário precisasse entender a mensagem ou a importância dela – a música faz isso. E, didaticamente, tenta explicar como funciona o HD do coração. Fala ainda em salvar “seu” coração quando o desenrolar da canção evidencia que o coração a ser salvo é o do eu lírico.
Uma outra proposição da música é a separação entre o que se pode comprar, o que cabe na dispensa, e o que não cabe, não se compra, o “meu amor”. O que é mais importante? O ouvinte reflete e é aí que a música começa a cumprir um dos papéis da arte: provocar a reflexão. Reflexão rara em tempos de consumismo compulsivo: preciso de tal coisa urgente! Um controle de videogame sem fio ou uma bolsa com tais detalhes. O vídeo acaba por provar que viver é mais do que conseguir comprar coisas. A utilização de “penteadeira” tem a curiosidade de remeter a um equipamento doméstico fora de uso, talvez desconhecido por grande parte dos usuários da internet, composta por adolescentes, mas justificável pela idade que aparentam ter os músicos da banda. E essa penteadeira pode ainda ser um conjunto de adereços embelezadores, dispensáveis ao olhar de quem está apaixonado, pois estes acham espinhas e manchinhas detalhes charmosos. “Cabe até o meu amor” diz que o amor é muito maior do que todas as outras bobagens mencionadas, o amor sim é grande, grandão, e ainda assim cabe no coração.
Retornando ao vídeo, ele tem uma clara semelhança com este, também muito repercutido na web. Apesar da referência citada pela banda ser este. Têm alguma relação? Inspiração, cópia, referência? Não importa. O que importa é que a impressão causada por pessoas construindo coisas juntas agrada. Se elas estiverem felizes e forem jovens, então nem se fala. Claro que o vídeo da banda é mais legal. Mas num mundo de amizades virtuais, de afinidades compiladas em comunidades, ver um monte de gente com cara de legal curtindo juntas causa uma inveja instantânea: - Queria ter uma galera dessas. Já deu, né? Beijo pra essa tchurma (http://www.myspace.com/abandamaisbonitadacidade/music) . Que venham os próximos! Bem-vindos, A Banda Mais Linda da Cidade! Agora fodeu, queremos mais. Se não for a mais linda, é a mais fofa do momento.