sábado, 27 de abril de 2013

Lei da anistia: uma síntese


Em homenagem ao filme O ano que durou 21 anos e à defesa de mestrado de um brother da UnB sobre a ADPF 153
Imaginemos a seguinte situação hipotética: um pai, conhecido como Ruipressor, mantém seu filho de 7 anos, Ruiprimido, durante 21 anos, preso em um dos cômodos da casa. Tal castigo foi implementado após o filho demorar mais de quinze minutos para chegar em casa, não cumprir o acordado com seu pai. Segundo o genitor, tal ação representou uma manifestação clara de desobediência, afronta, anarquia, desrespeito aos valores da família, da hierarquia e da ordem. Assim, deveria receber a reprimenda necessária para que esse comportamento não colocasse em risco a harmonia existente em seu lar, o que, ainda que Rui filho não soubesse ou concordasse, seria bom para todos. 

Era rotina a aplicação de surras, necessárias para manter o preso com sentimento de respeito (medo?), algo sempre necessário para a manutenção da ordem nos sistemas governados por autoridades autoritárias. Quando, eventualmente, Ruiprimido manifestava qualquer insatisfação ou atitude minimamente suspeita, aí a pisa era bem pior que as costumeiras: choques, agulhas embaixo das unhas, compressão dos testículos com alicates, violação de sua cavidade anal, tapas, cuspes e o que mais a inspiração perversa sugerisse no dia. Mas  tudo se justifica, afinal, como ousava se opor a alguém que estava ali apenas para auxiliá-lo, torná-lo um ser humano melhor? Subversão é imperdoável.

Pois bem, os anos se passaram e sustentar o filho naquelas condições estava ficando insustentável, seja pelo custo, seja pela desconfiança de amigos e parentes de que algo não andava muito bem com o rebento de Ruiprimdo. Assim, chamou Ruiprimido e propôs um acordo: Olha meu filho, acredito que você já aprendeu os valores que queria lhe passar, acho que agora poderá ser livre, a única condição é que me perdoe por tudo que lhe fiz, assim como o perdoarei por suas desobediências (tentativas de fuga, reclamações), assine este documento se comprometendo a jamais denunciar ou querer revidar quaisquer das medidas socioeducativas que apliquei em você. É só isso: assina e vai viver sua vida, o que passou... passou.
Ruiprimido agora, 25 anos após o acordo de soltura, começa a se acostumar com a liberdade, ainda não sabe o que fazer, mas acha que deve mudar seu nome para Luiberto. 

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Marco Feliciano: uma luz nas trevas


Semana passada, mais precisamente na segunda-feira, fui à biblioteca do meu serviço em busca de algum livro que me ajudasse na elaboração de um parecer. Na entrada do local, há uma estante com os veículos informacionais cujo objetivo é oferecer notícias para consumo imediato, cotidiano; plataformas ainda impressas que funcionam como fomentos necessários às conversas que se querem reflexivas acerca do mundo ao redor. Surpreendo-me, em parte, ao ver que as matérias de capa das revistas Veja, Época e Isto É apresentam reportagens sobre temas caros às esquerdas e aos progressistas contemporâneos (não sei, honestamente, se há alguma distinção entre essas duas classificações). Todas tratavam de minorias - este termo, como todo conceito genérico e banalizado, me causa uma certa apreensão cognitiva, haja vista seu caráter amplo e impreciso. Respostas ao caricato, ignóbil, pseudo-higienista e inadjetivável - dada sua torpeza - Deputado Marco Feliciano? Não sei. Se for, ótimo! Tenho de reconhecer o meu cínico contentamento quando vejo que os donos do poder estão do mesmo lado que eu, ainda que por motivos diversos. Dá uma sensação de que, pelo menos nisso, não irei perder. Duas delas falavam de relações homoafetivas e uma sobre o sucesso das cotas. Preâmbulo feito, vamos ao texto da vez.

Esqueçam o que acabaram de ler. Não acredito mais em muitos dos conceitos que tinha como pressupostos construídos e internalizados por todos aqueles que ficam incomodados com as contradições patentes do mundo que os cercam, quais sejam: a)respeito às diferenças culturais/étnicas/individuais, à relatividade das diversas crenças, à autodeterminação dos povos, famílias e indivíduos; b) aos ideais burgueses libertários de igualdade, liberdade e fraternidade; c) às pretensões socialistas de justiça social, igualdade material e senso de coletividade que leva ao compartilhamento de todos os nossos avanços tecnológicos, sociais, científicos, humanísticos e culturais por todos; d) dentre outros. É sério. A capacidade argumentativa e a força da oratória do escolhido por Deus, que hoje ocupa a presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, iluminou a penumbra que até então distorcia minha visão de mundo.

Neste sentido, peço algumas orientações a este instrumento do Onipresente, porta-voz dos valores fundamentais do Senhor.

Iluminado Pastor, tive a sorte de ver e ouvir seus esclarecimentos sobre os negros. Entendi que as mazelas pelas quais passam os povos africanos não são produtos das violências impetradas de forma brutal, covarde e sistemática por nações belicamente mais desenvolvidas e necessitadas de expansão mercantil capaz de sustentar a ostentação da qual gozavam até então. Mas sim um castigo do Nosso Senhor, aquele piedoso e, ao mesmo tempo, vingativo Deus capaz de perdoar 70 X 7 vezes; assim como de incendiar populações inteiras de cidades nas quais uma pequena parte dos habitantes praticava atos que o desagradavam. A reprimenda aplicada aos povos oriundos do continente africano, desde os tempos mais remotos até os dias atuais, é justa e necessária por terem sido eles os primeiros a praticar, neste mundo, atos libidinosos entre pessoas do mesmo sexo. Isso esclarece, inclusive, a ameaça de extinção pela qual passam atualmente espécies animais como golfinhos, macacos e outros; subcategorias de mamíferos nas quais alguns de seus indivíduos ousaram ter comportamentos antinaturais, como a homossexualidade.

Preclaro apóstolo, observei – corrija-me conforme os mandamentos da Divindade se estiver equivocado – que também é, como eu, de ascendência africana, neste caso, como fugir da maldição apregoada aos nossos ancestrais e seus descendentes? Admito que fiquei desesperado diante de tal informação. Não bastasse isso, meu pai era meio “pai de santo” (ou seria hospedeiro de demônios?), o que, creio, piora em muito a minha situação. Há redenção possível neste caso? Devo tentar um clareamento de pele? É possível, e aceitável, ao menos tentar uma mudança genética de forma que meus descendentes não sofram tal maldição? Não quero, de forma alguma, que eles passem por esse castigo divinamente ordenado e materializado no preconceito e discriminação que sofro diariamente em todas as situações sociais, inevitáveis, às quais sou exposto.

Isto não é tudo, ó Messias! Durante minha infância, brinquei de forma libidinosa com meus amiguinhos (o vulgo troca-troca, não sei se o Sr. também passou por isso), coisa de moleque que deseja potencializar o hedônico prazer obtido mediante manipulações em sua genitália. Foi só uma fase, depois não curti mais meninos, só meninas. Acredito que não sofro dessa abominável doença chamada homossexualismo, mas cometi homossexualidades. Estou condenado? É irreversível? Há como rever isto?

Peço ainda, escolhido varão, que me explique como fazer o Pai entender um ato repugnante cometido por uma antiga namorada, o qual contou com minha participação, ainda que de forma omissiva. Ouvi falar que sua genitora já foi responsável por uma clínica de abortos ilegais. É isso, tinha dezessete anos e a menina também, concluímos que aquele óvulo de dois meses não deveria seguir seu curso normal, haja vista os prejuízos que causaria as nossas vidas profissionais e discentes. Sua mãe fez isso de forma contumaz, como ela conseguiu reconciliar-se com a Providência? Imagino que essa experiência pode me dar uma diretriz.

Ademais, ungido representante do povo, compreendi, assistindo às sábias pregações caridosamente realizadas pelo Sr., que Deus só paga dividendos aos seus acionistas, ou seja, tal qual empresas de capital aberto, o empreendimento celestial, cujos postos de atendimento na terra são as igrejas evangélicas, remunera seus acionistas na proporção de seus investimentos. Eu era tão ignorante que pensava que o Altíssimo apoiava a redistribuição de renda, no sentido de minimizar injustiças sociais. Claro que não. Se você não evolui financeiramente, o erro é seu: maldições, pecados, provações etc. Pagar os dez por cento sobre a remuneração é uma obrigação muito mais séria do que os impostos e juros, no caso de não pagamento, Ele não cobra só o que não foi repassado, mas age para que a pessoa perca tudo o que tem e, se não tiver nada, não ganhe nada, sequer o mínimo necessário para o sustento da sua família. Jeová possui instrumentos muito mais eficazes para cobrar suas receitas do que as empresas, credores pessoas físicas, bancos, máfias, traficantes, fisco; Ele faz o inadimplente provar o insucesso, o fracasso, a estagnação, a falência, a quebradeira - de tal modo que o desvirtuado  pense que foi abandonado por Ele. Talvez por isso eu ainda deva tanto. Há como pagar o retroativo? Segundo as estatísticas econométricas, qual tem sido o prazo médio de retorno? É que estou com um dinheiro pra resolver algumas pendências, mas, a depender do ganho e do prazo, talvez fosse melhor aplicar na carteira (de investimentos) do Sr. O que acha?

Finalmente, agraciado pelo Pai com o dom da hermenêutica divina e, por isto, intérprete visionário dos fatos cotidianos, quero agradecê-lo pelos esclarecimentos prestados, de forma tão didática, sobre as razões que causaram os óbitos, revestidos por uma suposta fatalidade inerente à existência humana, de alguns músicos. Claro que não foram. Afinal, não cai uma folha de uma árvore sem a autorização Dele. Deus mandou matar Lennon, inconformado com a herética afirmação proferida por este ao declarar ser sua banda mais conhecida do que o primogênito enviado por Ele. Ainda que a exposição midiática e as manifestações de apreço protagonizadas por fãs dos Beatles fossem muito mais (infinitamente mais) perceptíveis, quando comparadas aos atos de fé realizados pelos cristãos naquele momento, esse comentário, mesmo que dito de forma despretensiosa, impensada e sem ter por objetivo colocar-se num grau de importância superior ao do Messias, foi mostra de uma insubordinação intolerável. Pouco importa se esse artista dedicou grande parte de sua vida para falar de amor, paz e necessidade da ação de todos para a construção de um mundo melhor, pois aquele que desafia o Criador deve ser eliminado. Acredito que o executor da demanda tenha sido absolvido, pela justiça celestial, do delito cometido. Talvez estrito cumprimento de uma ordem de superior hierárquico não expressamente ilegal ou alguma coação irresistível. Também Deus derrubou o avião dos Mamonas Assassinas, banda com tal nome não pode continuar – e eu que dançava “Robocop Gay”, Perdoa, Senhor!

Só queria saber, Mestre, se não há como nosso senhor dar uma melhorada na atual safra da música popular brasileira, levar os Leleks, Telós e Quadradinhos de 8. Estou orando pra isso!

Reverências do seu mais novo fiel!