terça-feira, 27 de julho de 2010

Édipo Gay

Certa feita, Laio, presidente da maior potência mundial, jovem e solteiro, pressionado pela opinião pública, resolveu atender ao apelo de mostrar-se um homem de família: casou-se com Jocasta, senadora e influente junto à igreja por sua fé, conduta e obras altruístas. Uma super-festa, fotos, muitas fotos e notícias até saturar o assunto. Aparentemente perfeito, todos satisfeitos, aumento da popularidade junto aos tradicionalistas cristãos que, apesar de agirem como consumistas, fúteis, hedonistas, patricidas e sangue-sugas, são fiéis aos valores do velho e novo testamento das sagradas escrituras.
O segundo passo era o óbvio, quem é casado e ainda não procriou sabe muito bem como é, tiveram um filho. Místico que era, especialmente depois que pesquisadores comprovaram, cientificamente, a veracidade das previsões mediúnicas, levou o bebê a um dos mais famosos espiritualistas do país (oráculo para os gregos e pai-de-santo para nós). Qual não foi a surpresa quando ouviu a revelação de que seu filho mataria a mãe e teria um relacionamento homoafetivo com ele. Dado o absurdo da informação, preferiu desconsiderá-la.
Laio ainda teve mais um governo, sempre muito popular. É aquele tipo de liderança de país imperialista que consegue a simpatia dos explorados por parecer estar ao lado deles e posiciona-se contra os grandes capitalistas – claro que na prática faz tudo que estes querem. Depois afastou-se da presidência e foi, grande homem que era, servir aos organismos internacionais em missões de auxílio ao resto do mundo, sempre carente de inteligências próprias. Seu filho, Nick, cresceu e já estudava na melhor universidade do país a Fuking The World Universit, pelo sim, pelo não, mantinha-o bem longe. Mas as pessoas de maior sensibilidade percebiam que Laio, apesar de ter alcançado tudo que almejou, trazia no olhar uma tristeza, como quem carrega uma falta, um desejo reprimido.
Em sua majestosa atuação internacional, foi ministrar uma palestra para representantes da juventude de diversos países: Como escolher democraticamente a parcela de seu país que irá ser privada de água sem comprometer a disponibilidade de mão-de-obra. Quando autorizaram as perguntas, um rapaz de características físicas muito parecidas com as suas, o que o fez achá-lo belo, formulou uma questão muito interessante, dessas que permitem ao palestrante exibir todos os seus conhecimentos e ainda simular uma humildade dizendo que realmente a pergunta foi muito boa etc. O rapaz era oriundo de um país do Oriente Médio e chamava-se Édipo.
Após a apresentação, o tradicional coquetel. Édipo procurou Laio, por quem foi muito bem recebido e os dois conversaram muito sobre as diversas questões socioambientais que sempre propiciam discursos nobres, comprometidos, vibrantes. O evento acabava, mas a conversa estava muito boa, foram para um restaurante, desses discretos, caros, aconchegantes. Lá pelas tantas e alguns vinhos a mais, o rapaz, sempre ousado, faz o indecoroso convite de irem para um lugar ainda mais discreto, onde pudessem ficar realmente à vontade para continuar a conversa. Naquele momento, instantes de segundos que parecem uma vida, a vida de Laio passou por sua mente e aquele convite parecia ser a resposta para o vazio que sempre o acompanhara, no impulso, topou. E a noite foi a noite.
Encontros furtivos continuaram acontecendo, sempre muito difíceis, Édipo encontrava sérias restrições para entrar no país de Laio, sua nação era dessas que hospedavam grupos de resistência (terroristas?) contrários à intervenção da pátria de Laio, que tentava ensinar ao seu povo os tão sublimes valores democráticos.
Como sempre após a abonança vem a tempestade, Jocasta, que também atuava em ações humanistas internacionais, foi sequestrada por um dos grupos ativistas do país de Édipo. Exigiam o fim da intervenção, bem como a liberação dos presos de guerra etc. Deram um prazo, nada de resposta, em rede mundial, a ex-senadora foi executada por um homem encapuzado. Este homem era Édipo.
O grupo de Édipo passou então a sofrer muitos ataques e perseguições, parecendo que iriam sucumbir a qualquer momento. Desconfiaram de infiltrações, como o nosso herói nos últimos tempos vinha apresentando um comportamento suspeito, passou a ser monitorado pelos próprios companheiros. Os encontros com Laio continuavam, inclusive consolando-o pela perda da companheira, por outro lado estavam livres para vivenciar a relação, cada vez mais intensa, cúmplice, apaixonada. Claro que os investigadores descobriram tudo, fotografaram, filmaram. Em rede mundial, divulgaram tudo, fora o caos natural da situação, ainda acrescentaram a informação de que Édipo era filho de Laio, fora trocado na maternidade por integrantes do grupo Al-Alá, no intuito de provar a falibilidade da superpotência que sequer consegue proteger o filho do presidente. Apresentaram tudo que comprovava tais informações. Com o namoro, a operação tinha sido melhor que a encomenda.
Laio suicida-se imediatamente. Édipo faz cirurgia para mudar a aparência, no processo cirúrgico perde a visão. Refugiou-se em algum país até hoje não revelado.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Sobre a Copa, a Copa da/na África do Sul

Fiz este post antes da derrota de hoje, depois falamos sobre isso, não estou emocionalmente apto no momento.
O futebol já foi atacado como sendo o ópio do nosso povo, o nosso circo do “panis et circenses”. Eu mesmo já cansei de prometer a mim mesmo que não ia mais torcer, que esse negócio é só alienação, e agora é só um negócio. É pra fazer com que esqueçamos os reais problemas – a desigualdade social não tem problema, mas sim o Mengão, meu time de coração, perder. Não consigo deixar de ficar triste quando o Flamengo perde, mas nem por isso deixo de me incomodar, dioturnamente, com os nossos problemas econômicos, sociais, ambientais, humanos.

A Copa na África do Sul, muito além do futebol, traz imagens, situações, falas, que provocam reflexões inevitáveis. Primeiro, chama a atenção o fato de uma parte muito considerável da humanidade parar máquinas, dores, rixas, ressentimentos e se reunir (unir já seria demais!) para... brincar! Ora, o que é esse campeonato senão uma brincadeira, um espetáculo, uma diversão protagonizada pelos jogadores e vivenciada por todos que assistem. Mas o curioso é como levamos tão a sério, é uma prova do quão ser humano é mais que trabalhar, comer, dormir e reproduzir. Somos o Homo ludicus, às vezes até demais, poderíamos ser o Homo Solidarius, o Homo libertus, definitivamente não ao Homo Belicus. Pena que o engenho e a arte estejam por conta apenas da Argentina.

Mas - sempre tenho um mas - a festa e a imagem de integração de povos e culturas, loiros, olhos puxados, negros, morenos, todos tratando-se com aparente respeito, não pode fazer com que esqueçamos que há muito pouco tempo, pouquíssimo tempo mesmo (final do século XX!) ,tínhamos naquele país algo que faz com que tenhamos vergonha de fazer parte dessa espécie: o Apartheid.

Imagine que trogloditas armados invadam a sua casa, estuprem sua mulher e suas filhas, obriguem seu filho e você a trabalharem para eles, roubem tudo o que tinham e depois ainda fiquem lá, convivendo com vocês como se esta situação fosse normal. Além disso, o proíbem de usar o mesmo banheiro (só quando for lavar a sujeira que fazem), a mesma cozinha (só quando for cozinhar para eles), não os deixam estudar, apenas trabalhar, trabalhar, trabalhar para eles. De comida apenas os restos mínimos para a sobrevivência. Afirmam todos os dias que são superiores, são provenientes da civilização e estão auxiliando vocês, selvagens, a se tornarem um pouco melhores; na verdade estão lhes fazendo um bem. E o resto do mundo fazendo que não via. Onde estavam os justiceiros da humanidade, aqueles que não toleram afrontas aos direitos humanos em outros países, lutam pela democracia em qualquer canto deste planeta? Será que é porque já estavam sendo cuidados pelos ingleses, grandes parceiros dos norte-americanos em suas empreitadas? Interessante notar que acabaram de “achar” minérios, cobre etc (um trilhão!) no Afeganistão, que coincidência não?    

A imagem do francês, capitão do time, negro, chorando durante a execução do hino do seu país talvez queira dizer mais que um patriotismo comum. Talvez seja uma mistura de sentimentos, a sensação de, diante de tantos negros iguais a ele, ter voltado pra casa, pra casa da mãe. Mas ao mesmo tempo se sente um francês, nasceu na França. Faz parte de outro povo, mas não deixa de correr em suas veias o sangue da gente do país sede, e talvez passe rapidamente por sua mente a lembrança do tanto de sangue que seu novo povo derramou do seu povo originário, em segundos tenta apagar essas sensações, mas mente e coração não sabem o que fazer nesses casos e então chora. O mundo deveria refletir sobre o que fez com as pessoas daquele continente, pela primeira vez conhecê-lo, não como algo exótico, como bichos interessantes que vemos no zoológico, mas como pessoas com história, cultura e visão de mundo próprios; aprender com eles e não querer impor seu modo de ser.

Vou encerrar por aqui pra não ficar demasiadamente cansativo. Que o Brasil resolva jogar e ganhe esta Copa, a nossa seleção que é majoritariamente negra, filhos que voltam pra casa e trazem alegria, esperança, orgulho para o povo que constitui a maioria de nossa etnia. Que venha um novo tempo, tempo de mudança, vingança não, mas que lutemos por justiça e a igualdade verdadeira, a igualdade de oportunidades, a redistribuição do que foi furtado, Bob Marley, Zumbi, Mandela e todos aqueles que desejam habitar um mundo mais justo e livre esperam por isso. Que na próxima Copa na África tenhamos mais a celebrar e menos com o que nos indignar

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Dica da Dad

Aproveitando o sucesso do post anterior, vamos a mais um (prometo que é o último assim!).

Tem uma eminente professora de português que fica dando (ou a dar) dicas gramaticais, como escrever o “bom português”, diga-se de passagem o português da “norma culta”, como se o outro, o falado pelos brasileiros reais, não tivesse cultura. Aí ela tem uma coluna no Correio Braziliense (braziliense com “z”? ah isso pode, eles têm “licença midiática”), tem programinha na tv local, tem livro, só não tem mais o que fazer. É a Pasquale do Cerrado, outro que também não tolero.   

Nada contra minha própria categoria, mas a ilustre professora me irrita. Ela fala num tom cansativo, tentando ser simpática, parece uma socialite fazendo ação social abraçando criança subnutrida, sem camisa e com catarro, fazendo uma cara de riso e nojo ao mesmo tempo. Então resolvi dar um dica de como ser um pouco menos chata, utilizando um vocábulo bem comum no dia-a-dia da população: merda.

Em uma rápida lição, pretendo demonstrar como uma mesma palavra pode ter diferentes classificações morfológicas/sintáticas.

Interjeição: Merda! Que merda! Puta merda!

Você é um merda! Sintaticamente, núcleo do predicativo do sujeito. Morfologicamente: adjetivo.

Vá à merda! Neste caso, acho interessante também explicar o uso da crase: quem vai a merda, volta da merda, crase há. No mais, adjunto adverbial de lugar.

Olha a merda que tu fez. Quem olha olha algo ou alguém, objeto direto. Na norma culta deveria ser: Vedes a merda que tu fizestes.

No teatro: Merda pra vocês! Neste caso o que mais interessa é explicar a origem da expressão. Certa vez, na Inglaterra antiga, a rainha foi assistir à estréia de uma comédia. Num determinado momento, A Majestade não se aguentou de tanto rir e foi ali mesmo. Após o ocorrido, todos quiseram assistir e foi um sucesso absoluto. Mentira, eu que inventei essa bobagem.

A merda toda é deixarmos fazerem por nós. Sujeito. 

Tá. Este post ficou uma merda, “ta baixando o nível, Cadu” . Só brincadeirinha pra não pirar, gente! Outra dica, Dad: die!

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Hoje tô virado no diabo

Cabeça vazia é mesmo oficina do diabo, aliás, indústria!

Cansei da minha cara de cão-chupando-manga
Hoje eu quero que o diabo que me carregue
Quero ir pro quinto dos infernos
Fazer o diabo a quatro
Tomar capeta e comer do pão que o diabo amassou
Com deus e o diabo na terra do sol,
ficar do jeito que o diabo gosta
Acho que é isso... e seja o que deus quiser!

quinta-feira, 13 de maio de 2010

A Lista

Quando era um sêmen no sacro escrotal de meu pai, inscrevi-me na lista dos que seriam expelidos no próximo orgasmo. Alguns ais e uis depois: consegui! Nadando à toa, deparei-me com uma imensa casa, entrei e permaneci lá por nove meses.

Lista dos nascidos naquele hospital, naquele dia. Lista do Cartório. Estava oficialmente no mundo, não tinha mais jeito, iriam ter que me suportar por pelo menos mais vinte e nove anos. Lista dos filhos dos meus pais, dos netos dos meus avós.

Lista de alunos da escola, normalmente meu número era sete, começa com “C”. Colocando meu nome completo em sítios de numerologia o número calculado para mim também é o sete. A semana tem sete dias, a Branca de Neve tem sete anões, o dia do meu nascimento é 14 (7x2), normalmente acordo às 7h, os pecados capitais também são 7, moro na capital que faz aniversário no dia 21 (7x3), o que tudo isso quer dizer? Nada.

Quando garoto, inscrevia-me na lista dos próximas no futebol. – Primeira próxima! É verdade, próxima nesses casos não tinha variação de gênero. Era um bom goleiro de futsal, mas naquela época a bola era pequena e pesada, doía demais, desisti.

Depois comecei a ralar para ver meu nome em listas de aprovados: vestibular, concurso, mestrado. Para o bem ou para mal, consegui. Como bom brasiliense (distritofederalino?), acreditei que passar em concursos era um objetivo de vida legal, depois que consegui comecei a achar que não era tão bacana assim, mas isso é um outro assunto.

Quis constar em listas de possíveis ocupantes dos corações de algumas meninas: em muitos casos deu certo, noutros não. Mas tudo correu muito bem. Outras me inscreveram sem eu saber/querer, interessante também.

Me colocaram em listas obrigatórias/indesejadas: alistamento militar, entederam? a-lista-mento (dã!); eleitor, esta é interessante, a democracia ainda pode ser uma boa, mas ainda não vi nenhum exemplo, no mundo, da democracia que acredito ser a verdadeira, minha geração ainda não entendeu a importância dela (o que parece que sempre existiu não é valorizado); inadimplentes, acontece, vai?

Daqui a pouco, possivelmente, irão relacionar meu nome na lista de ocupantes de quartos, leitos de hospitais. E, enfim, a derradeira lista de óbitos, ou melhor, a penúltima, depois ainda vem a lista dos corpos a serem cremados ou enterrados. Para quem acredita, ainda tem a lista dos que entrarão no reino dos céus, a lista dos que queimarão para sempre no fogo do inferno – fogo e enxofre com um diabinho mandando chicotadas pra sempre, pra sempre! nem Hitler merece tal suplício -, lista dos próximos a reencarnarem, lista dos próximos homens-bomba a serem beneficiados com quarenta virgens...

As listas hierarquizam, excluem, criam obrigações, listas não são legais. Gostaria que não tivéssemos listas, contudo, acredito que poderíamos ter clareza do que precisa ser feito a todo instante: sonhar, amar, lutar pelo que acredita, pensar, respeitar, se importar, preservar, criar, observar, artear, e tudo mais. Isso não é uma lista, apenas uma reflexão. Por falar em listas, a do Dunga foi horrível!

domingo, 25 de abril de 2010

Brasília, a filha do Brasil

Atrasado, mas sem desistir, aliás, desistir não é para quem nasceu em uma cidade impossível, não poderia deixar de falar do aniversário da minha Terra.
Temos sido tão criticados ultimamente por conta de uma meia dúzia- tudo bem, talvez uma dúzia e meia - de pessoas que habitam aqui e governam – leia-se governar como utilizar o orçamento em benefício próprio e destinar áreas para construção de empreendimentos dos Otávios.
Cada povo tem o governo que merece. Mentira! Temos governos que nos foram impostos goela abaixo pelos detentores do poder econômico, utilizando uma pseudo-democracia, mas um dia a gente aprende.
Brasília é filha do Brasil real com a Utopia do Brasil sonhado, e, como filha, tem muito dos pais sem, no entanto, ser a exata soma deles, é um outro ser.
Tem gente de todo lugar do Brasil, síntese e justaposição do nosso povo.
Ah! Em tempo, quero dizer que estou me referindo ao DF, à Brasília e seus Satélites.
Grande semelhança entre Pai e filha é que ambos nasceram modernos. Explico. O país nasce já com a máquina do mundo contemporâneo em início de funcionamento: divisão de funções, trabalho alienado, produção em escala, dinheiro transformado em capital, propriedade privada e indivíduo em processo cada vez mais agudo de afirmação do seu individualismo. A capital nasce com a pretensa idéia de marcar o ingresso do país numa modernidade, na qual na verdade já está inserido desde seu nascedouro, claro numa condição periférica. E, como o pai, tem como principal marca de personalidade a contradição. A maior renda per capita e a maior desigualdade. Construções de curvas e retas de vanguarda ao lado de tapumes de madeira abrigando vidas humanas.
As pessoas de Brasília falam mal das pessoas de Brasília, mas quem são as pessoas de Brasília?
Mas o que me interessa aqui é a mãe da cidade, a Utopia. Precisamos relembrar que a cidade foi produto de um sonho de um país melhor, mais justo, mais voltado para si, mais integrado, mais mió de bão.
Que esse céu - imensa lousa mágica de um deus inspirado, que faz desenhos maravilhosos, e mesmo quando o deixa em branco, deixa um azul-vida, um azul-rua, um azul-vambora – nos inspire a tornar a Capital da esperança na Capital da realização, realização do que ainda não somos, mas do que podemos, devemos e queremos ser.

Brasília é massa! Caraí, véi, essa cidade é do caralho! Brasília?! Putz... adoro Brasília!

Pra não perder o hábito, um texto (poema?) mais “mundojaz” que fiz há algum tempo:


Todo verde que falta


Na cidade de concretos e jardins multcoloridos,
Luzes, cheiros e concursos,
Falta verde, sobram ursos

E semi-indignado sigo me sentindo perseguido
Os faróis estão quase sempre vermelho-morte, amarelo-desespero
Não me deixam passar os pardais postados nos postes

Quero o mato desorganizado, nada de eucaliptos;
nada de jardins plantados no meio do asfalto,
regados por homens de laranja mais baratos que o adubo

Quero o verde do que foi alagado e virou espelho, reflete e banha o sujo, mas não o lava: para no ar

Quero o verde da esperança dessa criançada preta que tá na redondeza

Pintarei um outdoor com lápis sem ponta, só vai enxergar quem quiser ver
Esculpirei uma estátua invisível de um deus que ainda não conheço
Entoarei cantos agnósticos em sua adoração

Acordar o verde, o verde-sangue da galera do bem

terça-feira, 16 de março de 2010

O frentista

Frentista é um nome pouco convidativo para uma leitura, para uma profissão, para qualquer coisa aparentemente, né? Pois, para o Tiago não. Tiago é um conhecido meu que desde criança era fascinado com a profissão de frentista, segundo ele, lindo nome: lembra linha de frente. Quando o pai ia abastecer no posto de gasolina, adorava o odor da gasolina, do álcool, do diesel, enfim aquele aroma típico dos postos. Encantava-se com a prestatividade dos atendentes sinalizando a disponibilidade de suas bombas, sorrisos no rosto, preocupados se o óleo do carro de papai estava bem, se não queria mais alguma coisa... Todos aqueles carros... adorava carros. E a bomba que parece uma pistola; e todas as pessoas que conhecem os frentistas todos os dias, mil amigos!

O playmobil do Tiago? claro, um posto de gasolina. A fantasia para o baile de carnaval? Claro, a de frentista. E o garoto ia alimentando seu encantamento, colecionava brindes, adesivos, Shell, Texaco, Esso, BR, Ipiranga. Quando podia ia para o posto ficar próximo ao ar e ajudar os motoristas, ele brincava, eles adoravam a comodidade, então balinhas e trocados. A certeza do sonho profissional ia se firmando: frentista!

Obviamente a família queria para Tiago diploma, trabalho bem remunerado, respeito na sociedade e tudo mais que essas profissões classe medianas trazem. Mas ele resistia. Terminou namoro, ficou sem falar com o pai, desconversava com a mãe, irritava-se com os irmãos: é duro ter um sonho. Mas ele não arredou de sua pretensão, ao dezoito, nada de vestibular, nada de concurso, nada de curso técnico, nada de nada: currículo em todos os postos de gasolina, uma ligação e enfim o início da realização do desejo: contratado temporariamente para atuar como frentista – alegria esta que Tiago comemorou sozinho, os demais lamentaram, mas já em silêncio, o rapaz estava por demais convencido.

Tiago começa. Empolgação, corre pra lá, pra cá, a sua bomba é a primeira em abastecimentos já na primeira semana! E assim por mais algum tempo. Mas o tempo é foda... e o cheiro do posto começa a dar náuseas, os clientes, em sua grande maioria, são uns estúpidos e o tratam como uma máquina, um ser sem nome, a prestatividade é uma obrigação, os carros que tanto adora? Jamais poderá comprar um com seu salário, salário este que não dá prá nada e é pago com o que lhe pagam uns cinco clientes, isso, o salário do Tiago é o equivalente a cinco tanques cheios – de carro popular, é claro.

Tiago não entende, em seus devaneios o petróleo que corre das bombas é vermelho sangue, o gerente da pista é um monstro, um capataz armado, sua caneta é um chicote que pune Tiago com as diferenças da bomba no fim do dia. Inimigos por todos os lados, todos são: no posto e em casa. Ele não tem abrigo, amigo, não tem nada. Apenas um sonho falido: não se deve querer sem frentista, isso é para quem não tem opção! Esse pensamento e outros ecoavam em suas lembranças, assim como as tardes que divertia-se enchendo os pneus dos carros, quando brincava com o frentista do posto que seu pai sempre frequentava e dizia: quando crescer quero ser como você! Agora vinha claro o sorriso sem graça daquele frentista que evidenciava um pensamento do tipo: garoto, deixe de bobagem, isso não é coisa que se queira!

Não tenho mais notícias do Tiago. Certo dia não voltou pra casa, não foi trabalhar no dia seguinte.
Talvez tenha inventado outro sonho e ido atrás, talvez tenha entendido que não vale a pena sonhar, mesmo quando a alma não é pequena.

sexta-feira, 5 de março de 2010

Pisos que me deixam no chão

Foi aprovado em uma comissão sei lá qual da Câmara Federal o piso para os policiais militares de todo Brasil: R$ 3.500,00. No DF, de onde falo, os policiais já ganham mais que isso. Sabidamente, especialmente aqui onde temos um dos custos de vida mais altos do país, não é lá grande coisa, mesmo sendo 7x o salário mínimo, sendo este ainda, ridiculamente, distante de grande parte de nossa população. Caso estivessem/estejam a serviço do grande público, os PMs podem ganhar esse valor. Mas o que me deixou extremamente preocupado, desolado, angustiado, envergonhado, não sei bem o termo, é que o piso aprovado para os professores foi de R$ 900,00, ou seja, quase três vezes mais para os milicas – ainda assim, esta miséria aprovada para os docentes está sendo questionada no STF por alguns estados.

Pesquisei no Almanaque Abril, Enciclopédia Barsa, Bíblia, Buda, Google e tantos outros e não, não encontrei resposta para tal discrepância. Talvez estudando a história sócio-econômica-política nacional poderia deduzi-la. Sem divagar muito, conclui-se que o importante é fortalecer os instrumentos de repressão do Estado e de defesa das riquezas daqueles que mandam nesse gigante que continua deitado em seu berço, berço este sem mosqueteiro, face o avanço da dengue.

Entre as duas opções, numa visão materialista/realista, qual você escolheria? Ideologia não paga conta, não compra comida nem remédio. Obviamente, não estou dizendo que o que importa é o dinheiro, mas isso é humilhante para aqueles que fizeram algum curso superior em licenciatura ou Pedagogia: ganhar ¼ do que ganham os que fazem parte de uma categoria composta em grande parte por pessoas que concluíram apenas o ensino fundamental. Armas ou livros? Avançar com cavalos para cima dos estudantes ou ensiná-los a protestar quando tiverem um governo que, supostamente, os rouba? Não é “resquício de ditadura” é um aviso claro: os militares, substitutos de nossos capangas, continuam conosco, por favor, sem gracinhas revoltosas/revolucionárias, não queremos usá-los.

Vergonha, desesperança, indignação!

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Propaganda da Vivo

Estava em frente ao aparelho das ilusões, mentiras e bundas, bundas essas que só existem lá, quando vejo uma propaganda linda: um pai está se separando da esposa, entrega um celular, da Vivo, para a filha, uma menininha muito fofa, e então passa a falar o tempo inteiro com ela. Na verdade, a relação entre os dois, agora distantes, torna-se muito mais próxima do que antes, graças ao celular. Ele espanta monstros, pergunta como e onde ela está, busca no balé, faz tudo que, certamente, nenhum pai faz considerando toda carga de trabalho, estudo, exigências sociais que o personagem do comercial tem, pois aparentemente é de classe média alta.

Longe de mim ser contrário a que as pessoas se separem, se casem, se amiguem, se amancebem, se namorem, se prendam, se livrem, cada um faz o que quer. Aliás, longe de mim defender a família, pois se ela é a célula-máter da sociedade e esta é este caos em que vivemos, muito provavelmente trata-se de uma célula cancerígena.

Agora o que quero dizer é que me impressiona, cada vez mais, a capacidade do Capital, dos donos do mundo, se apropriarem de tudo, de todas as situações para vender, lucrar, lucrar, lucrar, não importa o preço, sem qualquer pudor. E aí divagando um pouco mais, talvez seja interessante para eles que as pessoas realmente se separem, especialmente a classe social desse caso, pois isso gera a necessidade de comprar uma nova casa, uma nova tv, uma nova geladeira, beber mais, ouvir música sertaneja, dobrar o consumo, pois agora são duas famílias, ou pelo menos duas casas: $$$ pra eles. Daqui a pouco teremos Colchões Down, curta a sua deprê sem estragar a sua coluna e com deliciosos choquinhos massageadores! Teremos Colgate Drunker, para você que é alcoólatra e precisa disfarçar o hálito, contém ainda pequenas quantidades de insulina para evitar a tremedeira. Não vou continuar pra não ficar parecido com os produtos tabajara, apesar de achar que no caso do quadro dos Cassetas, que um dia foram engraçados, há apenas uma agudização do que de fato acontece o tempo inteiro, mas com aparente seriedade, eles realmente querem nos convencer de que um carrão, uma marca, um corpo sarado são a chave da realização e o sentido da vida. A minha paciência vai se esgotando e o tempo inteiro me pergunto: quanto dos nossos desejos, comportamentos, valores e tudo mais não são criados e impostos por eles, conforme o interesse deles? Talvez tudo... inclusive este blog e este texto. Um pouco de Engenheiros, explicando tudo isso.

3ª do Plural

Corrida pra vender cigarro
Cigarro pra vender remédio
Remédio pra curar a tosse
Tossir, cuspir, jogar pra fora
Corrida pra vender os carros
Pneu, cerveja e gasolina
Cabeça pra usar boné
E professar a fé de quem patrocina
Querem te matar a sede, eles querer te sedar
Eles querem te vender, eles querem te comprar
Quem são eles?
Quem eles pensam que são?
Corrida contra o relógio
Silicone contra a gravidade
Dedo no gatilho, velocidade
Quem mente antes diz a verdade
Satisfação garantida
Obsolescência programada
Eles ganham a corrida antes mesmo da largada
Eles querem te vender, eles querem te comprar
Querem te matar de rir, querem te fazer chorar
Quem são eles?
Quem eles pensam que são?
Vender, comprar, vendar os olhos
Jogar a rede... contra a parede
Querem te deixar com sede
Não querem te deixar pensar
Quem são eles?
Quem eles pensam que são?

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Suposta alegria

Alguns textos deste blog vinham criticando a inércia dos populares, da CLDF, da mídia, da justiça etc, frente ao suposto envolvimento do Governado José Roberto Arruda em um suposto esquema de corrupção. As supostas imagens saltaram aos olhos de todos, juntamente com a palavra suposta, nunca tão pronunciada anteriormente, pelo menos ao que me lembre. Mas a suposta justiça reagiu e prendeu o suposto corrupto, após a denúncia de suposto suborno a um suposto jornalista. Ele está numa suposta prisão, e não pude controlar minha suposta alegria. Se tivesse um suposto filho, diria supostamente orgulhoso: - Isso é o que supostamente acontece com quem supostamente rouba em nosso país, meu filho. Valeu pessoas de bem, como supostamente eu também sou, que atuam no Ministério Público, na Polícia Federal, na Justiça e nos movimentos sociais – especialmente o Fora Arruda! Ô vontade de ser uma mosca! especialmente agora que está num quarto menor, sem banheiro, sem TV, sem nada. Não deixemos de aproveitar este momento, mas não acreditemos em suposições vazias do ele possa vir a significar efetivamente.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Um escrito antigo

Mexendo nas minhas coisas, encontrei um escrito que fiz há uns dez anos. Tem inocência, mas também tem verdade, e na verdade esses sentimentos estavam adormecidos, mas voltaram com muita força. Na época o Augusto fez até uma música.

Dia cinza

E o dia continua cinza e a flor já não tem mais aquele perfume

Aliás, já não se fala mais de flores, ao invés, cartões internautas

O cheiro que atrai agora é o da gasolina e do papel moeda

Não quero participar dessa cumplicidade criminosa que nos cega

Mas não tenho a quem gritar então eu grito ao vento, quem sabe ele leve tais pensamentos para as nuvens e estas façam chuvas, lavem as almas dos homens de tanta indiferença, ignorância hipocrisia

Vejo todos abaixarem as cabeças e não vêem o horizonte que é turvo, mas está lá

Chega de sonhar o sonho do outro, sejamos originais em nosso querer

Chega de falar de tudo e não dizermos o que queremos dizer

Vamos desconectar e nos darmos as mãos, fazer uma teia. Lembrar que somos humanos

Ainda sentados esperando as soluções, a resposta está mais próxima

E o tempo passa e se esperarmos mais pode ser tarde

Já é hora de mudarmos esses dias cinzas

Esquecer a tela e olhar no olho, ver o outro além da máscara, se mostrar além da carne

Lembrar que o ontem ainda agora foi hoje, e que o amanhã daqui a pouco é o agora

Lembremos que não estamos em uma novela e temos coração

E que passemos pelas horas sem apenas assistirmos elas passarem por nós

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Fim de ano: A festa!

Não é muito deste blog tratar de frivolidades, mas quero mostrar que também sei falar de festa, ora! Ainda mais tendo encontrado um grande amigo, que há tempos não o via. É um amigo daqueles que a gente passa um tempão sem se ver e quando encontra se xinga, se abraça, fala da vida, fala delas, enfim como se o tempo não tivesse diminuído em nada a confiança e a cumplicidade construída anteriormente, como de fato não diminuiu. Dentre tantas outras coisas, ele me contou que tava de emprego novo e que tinha participado da tradicional festa de fim de ano da empresa, como o relato daquele evento era inédito para mim, imagino que também o seja para o leitor, que nunca participou de nada parecido. Vamos a ela.

Esse meu amigo, ah, desculpem, o nome dele é Juliano, sempre foi um cara muito esforçado, estudioso, dotado de competências e habilidades que o mercado de trabalho gosta. Aliás, mercado de trabalho é uma expressão que diz tudo: você é um produto numa prateleira; os clientes vão querer o melhor pelo menor preço; e tem gente/produto que nem consegue chegar lá, é refugo, lixo. Mas este não é o caso dele, foi selecionado por uma grande empresa, dessas que realmente só contratam os melhores, currículo, processo seletivo (aquelas dinâmicas que você tem que desenhar, fazer bonecos, amontoar-se com os demais num quadrado imaginário no chão, dizer um monte de coisas que não pensa, sabotar os demais participantes sem, no entanto, parecer egoísta, e tudo mais) ou seja, mostrou que era o melhor sabão em pó daquela seção de limpeza – seção com ç mesmo, eu conferi.

Pouco tempo depois já eram as tradicionais festividades natalinas, tempo em que todos ficam bonzinhos, dóceis, amigo oculto, arrependido pelo que fez, planejando o que fará (agora vai!), e todo etc que vocês já sabem. Chegou o convite para a festa da empresa, uma contribuição simbólica, dessas que daria para ir a qualquer “open-bar”, “prive” em Brasília, esporte fino. O assunto até o dia só foi esse. Eis que chega o grande dia, ia ser no próprio edifício da empresa, tinha um grande salão de festas, após o expediente, 19:00h. As colegas chegaram para trabalhar, é necessário dizer que estavam todas com chapinha e o rosto totalmente desfigurado de tanta maquiagem? Não, né? Certo, 19:00h meu amigo vai pro salão e... ninguém. Ele não sabia que também não deveria ter ido aquela hora, mas chegado depois com cara de pressa e alívio de quem teve que terminar algo extremamente importante que estava fazendo, afinal o mais importante é a empresa, quando na verdade não aguentava mais olhar coisas na internet, estava até vendo os .pps daqueles chatíssimos que entopem as nossas caixas. As pessoas começam a chegar, chopp, boa noite, comprimentos entre aquelas pessoas que dizem que se odeiam durante todo ano. Os diretores acompanhados dos seus capachos, Juliano achou graça quando, observando que a bebida do diretor estava para acabar, dois desses puxa-saco esbarraram-se de tanta vontade de ir buscá-la e demonstrar proatividade, presteza, dinamismo, acabou saindo uma bela trapalhada, pois o garçom que passava atrás foi atingido e copos ao chão, é fim de ano, sorrisos amarelos. Apesar de homem e hétero, o meu amigo é bem ligado em questões de gênero, raça, etc, e viu que tinha também diretorAs, é, como em todo lugar, elas estão chegando, é o óbvio, o justo, mas aí veio a necessidade de adaptar o termo 'baba-ovo” quando o chefe for chefa, afinal tudo tem que estar conforme, algumas sugestões lhe vieram à cabeça: “lambe-xota”, “chupa-teta”, devaneios de quem está totalmente perdido num lugar que antes parecia tão seu. O DJ tocou a sequencia universal do momento, claro terminando em funk, bebida, danças ridículas, todos riem, meninas se aproximam dos diretores, sorrisos, mesmo daquelas que vivem o ano inteiro na TPM, parece que a confraternização é o melhor momento para mostrar as suas virtudes, alegria, paz, harmonia. Quer ir embora, será que o bar do Bené ainda tá aberto?

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Haiti

"Não cai uma folha de uma árvore se Deus não permitir"

Deus, papo sério, exijo explicações sobre o Haiti

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

2010 - dez mandamentos

Voltamos, também sou filho e mereço algum descanso, mas já deu. Começo o ano com algo que li nesses dias lendo sobre João Ubaldo Ribeiro, são os dez conselhos que seu pai, Manoel Ribeiro, dava ao filho:

1. Não seja irresponsável;
2. não seja colonizado;
3. não seja calado;
4. não seja ignorante;
5. não seja submisso;
6. não seja indiferente;
7. não seja amargo;
8. não seja intolerante;
9. não seja medroso;
10. não seja burro!

Não me importo em começar o ano plagiando, tudo é plágio, mas existe o plágio do bem, quando se copia uma boa idéia para o bem da humanidade, e o plágio do mal, quando a Record cria a Fazenda - copiando e conseguindo piorar o que parecia impossível de ser pior, o BBB da Globo. Aliás, cada vez mais estou convencido do que diz Bakhtin: o nosso discurso está sempre carregado de outros discursos. E, quanto mais eu leio, mais percebo que todas as minha sacadas brilhantes já foram pensadas por outros caras, esses realmente brilhantes, e elaboradas de forma muito mais interessante. Penso até em parar de escrever, sempre mais do mesmo, mas é mais do mesmo prá quem, né? Bom, Imensa massa de 5 seguidores, sigamos os conselhos do Seu Manoel neste ano, especialmente o último!