Frentista é um nome pouco convidativo para uma leitura, para uma profissão, para qualquer coisa aparentemente, né? Pois, para o Tiago não. Tiago é um conhecido meu que desde criança era fascinado com a profissão de frentista, segundo ele, lindo nome: lembra linha de frente. Quando o pai ia abastecer no posto de gasolina, adorava o odor da gasolina, do álcool, do diesel, enfim aquele aroma típico dos postos. Encantava-se com a prestatividade dos atendentes sinalizando a disponibilidade de suas bombas, sorrisos no rosto, preocupados se o óleo do carro de papai estava bem, se não queria mais alguma coisa... Todos aqueles carros... adorava carros. E a bomba que parece uma pistola; e todas as pessoas que conhecem os frentistas todos os dias, mil amigos!
O playmobil do Tiago? claro, um posto de gasolina. A fantasia para o baile de carnaval? Claro, a de frentista. E o garoto ia alimentando seu encantamento, colecionava brindes, adesivos, Shell, Texaco, Esso, BR, Ipiranga. Quando podia ia para o posto ficar próximo ao ar e ajudar os motoristas, ele brincava, eles adoravam a comodidade, então balinhas e trocados. A certeza do sonho profissional ia se firmando: frentista!
Obviamente a família queria para Tiago diploma, trabalho bem remunerado, respeito na sociedade e tudo mais que essas profissões classe medianas trazem. Mas ele resistia. Terminou namoro, ficou sem falar com o pai, desconversava com a mãe, irritava-se com os irmãos: é duro ter um sonho. Mas ele não arredou de sua pretensão, ao dezoito, nada de vestibular, nada de concurso, nada de curso técnico, nada de nada: currículo em todos os postos de gasolina, uma ligação e enfim o início da realização do desejo: contratado temporariamente para atuar como frentista – alegria esta que Tiago comemorou sozinho, os demais lamentaram, mas já em silêncio, o rapaz estava por demais convencido.
Tiago começa. Empolgação, corre pra lá, pra cá, a sua bomba é a primeira em abastecimentos já na primeira semana! E assim por mais algum tempo. Mas o tempo é foda... e o cheiro do posto começa a dar náuseas, os clientes, em sua grande maioria, são uns estúpidos e o tratam como uma máquina, um ser sem nome, a prestatividade é uma obrigação, os carros que tanto adora? Jamais poderá comprar um com seu salário, salário este que não dá prá nada e é pago com o que lhe pagam uns cinco clientes, isso, o salário do Tiago é o equivalente a cinco tanques cheios – de carro popular, é claro.
Tiago não entende, em seus devaneios o petróleo que corre das bombas é vermelho sangue, o gerente da pista é um monstro, um capataz armado, sua caneta é um chicote que pune Tiago com as diferenças da bomba no fim do dia. Inimigos por todos os lados, todos são: no posto e em casa. Ele não tem abrigo, amigo, não tem nada. Apenas um sonho falido: não se deve querer sem frentista, isso é para quem não tem opção! Esse pensamento e outros ecoavam em suas lembranças, assim como as tardes que divertia-se enchendo os pneus dos carros, quando brincava com o frentista do posto que seu pai sempre frequentava e dizia: quando crescer quero ser como você! Agora vinha claro o sorriso sem graça daquele frentista que evidenciava um pensamento do tipo: garoto, deixe de bobagem, isso não é coisa que se queira!
Não tenho mais notícias do Tiago. Certo dia não voltou pra casa, não foi trabalhar no dia seguinte.
Talvez tenha inventado outro sonho e ido atrás, talvez tenha entendido que não vale a pena sonhar, mesmo quando a alma não é pequena.