terça-feira, 27 de julho de 2010

Édipo Gay

Certa feita, Laio, presidente da maior potência mundial, jovem e solteiro, pressionado pela opinião pública, resolveu atender ao apelo de mostrar-se um homem de família: casou-se com Jocasta, senadora e influente junto à igreja por sua fé, conduta e obras altruístas. Uma super-festa, fotos, muitas fotos e notícias até saturar o assunto. Aparentemente perfeito, todos satisfeitos, aumento da popularidade junto aos tradicionalistas cristãos que, apesar de agirem como consumistas, fúteis, hedonistas, patricidas e sangue-sugas, são fiéis aos valores do velho e novo testamento das sagradas escrituras.
O segundo passo era o óbvio, quem é casado e ainda não procriou sabe muito bem como é, tiveram um filho. Místico que era, especialmente depois que pesquisadores comprovaram, cientificamente, a veracidade das previsões mediúnicas, levou o bebê a um dos mais famosos espiritualistas do país (oráculo para os gregos e pai-de-santo para nós). Qual não foi a surpresa quando ouviu a revelação de que seu filho mataria a mãe e teria um relacionamento homoafetivo com ele. Dado o absurdo da informação, preferiu desconsiderá-la.
Laio ainda teve mais um governo, sempre muito popular. É aquele tipo de liderança de país imperialista que consegue a simpatia dos explorados por parecer estar ao lado deles e posiciona-se contra os grandes capitalistas – claro que na prática faz tudo que estes querem. Depois afastou-se da presidência e foi, grande homem que era, servir aos organismos internacionais em missões de auxílio ao resto do mundo, sempre carente de inteligências próprias. Seu filho, Nick, cresceu e já estudava na melhor universidade do país a Fuking The World Universit, pelo sim, pelo não, mantinha-o bem longe. Mas as pessoas de maior sensibilidade percebiam que Laio, apesar de ter alcançado tudo que almejou, trazia no olhar uma tristeza, como quem carrega uma falta, um desejo reprimido.
Em sua majestosa atuação internacional, foi ministrar uma palestra para representantes da juventude de diversos países: Como escolher democraticamente a parcela de seu país que irá ser privada de água sem comprometer a disponibilidade de mão-de-obra. Quando autorizaram as perguntas, um rapaz de características físicas muito parecidas com as suas, o que o fez achá-lo belo, formulou uma questão muito interessante, dessas que permitem ao palestrante exibir todos os seus conhecimentos e ainda simular uma humildade dizendo que realmente a pergunta foi muito boa etc. O rapaz era oriundo de um país do Oriente Médio e chamava-se Édipo.
Após a apresentação, o tradicional coquetel. Édipo procurou Laio, por quem foi muito bem recebido e os dois conversaram muito sobre as diversas questões socioambientais que sempre propiciam discursos nobres, comprometidos, vibrantes. O evento acabava, mas a conversa estava muito boa, foram para um restaurante, desses discretos, caros, aconchegantes. Lá pelas tantas e alguns vinhos a mais, o rapaz, sempre ousado, faz o indecoroso convite de irem para um lugar ainda mais discreto, onde pudessem ficar realmente à vontade para continuar a conversa. Naquele momento, instantes de segundos que parecem uma vida, a vida de Laio passou por sua mente e aquele convite parecia ser a resposta para o vazio que sempre o acompanhara, no impulso, topou. E a noite foi a noite.
Encontros furtivos continuaram acontecendo, sempre muito difíceis, Édipo encontrava sérias restrições para entrar no país de Laio, sua nação era dessas que hospedavam grupos de resistência (terroristas?) contrários à intervenção da pátria de Laio, que tentava ensinar ao seu povo os tão sublimes valores democráticos.
Como sempre após a abonança vem a tempestade, Jocasta, que também atuava em ações humanistas internacionais, foi sequestrada por um dos grupos ativistas do país de Édipo. Exigiam o fim da intervenção, bem como a liberação dos presos de guerra etc. Deram um prazo, nada de resposta, em rede mundial, a ex-senadora foi executada por um homem encapuzado. Este homem era Édipo.
O grupo de Édipo passou então a sofrer muitos ataques e perseguições, parecendo que iriam sucumbir a qualquer momento. Desconfiaram de infiltrações, como o nosso herói nos últimos tempos vinha apresentando um comportamento suspeito, passou a ser monitorado pelos próprios companheiros. Os encontros com Laio continuavam, inclusive consolando-o pela perda da companheira, por outro lado estavam livres para vivenciar a relação, cada vez mais intensa, cúmplice, apaixonada. Claro que os investigadores descobriram tudo, fotografaram, filmaram. Em rede mundial, divulgaram tudo, fora o caos natural da situação, ainda acrescentaram a informação de que Édipo era filho de Laio, fora trocado na maternidade por integrantes do grupo Al-Alá, no intuito de provar a falibilidade da superpotência que sequer consegue proteger o filho do presidente. Apresentaram tudo que comprovava tais informações. Com o namoro, a operação tinha sido melhor que a encomenda.
Laio suicida-se imediatamente. Édipo faz cirurgia para mudar a aparência, no processo cirúrgico perde a visão. Refugiou-se em algum país até hoje não revelado.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Sobre a Copa, a Copa da/na África do Sul

Fiz este post antes da derrota de hoje, depois falamos sobre isso, não estou emocionalmente apto no momento.
O futebol já foi atacado como sendo o ópio do nosso povo, o nosso circo do “panis et circenses”. Eu mesmo já cansei de prometer a mim mesmo que não ia mais torcer, que esse negócio é só alienação, e agora é só um negócio. É pra fazer com que esqueçamos os reais problemas – a desigualdade social não tem problema, mas sim o Mengão, meu time de coração, perder. Não consigo deixar de ficar triste quando o Flamengo perde, mas nem por isso deixo de me incomodar, dioturnamente, com os nossos problemas econômicos, sociais, ambientais, humanos.

A Copa na África do Sul, muito além do futebol, traz imagens, situações, falas, que provocam reflexões inevitáveis. Primeiro, chama a atenção o fato de uma parte muito considerável da humanidade parar máquinas, dores, rixas, ressentimentos e se reunir (unir já seria demais!) para... brincar! Ora, o que é esse campeonato senão uma brincadeira, um espetáculo, uma diversão protagonizada pelos jogadores e vivenciada por todos que assistem. Mas o curioso é como levamos tão a sério, é uma prova do quão ser humano é mais que trabalhar, comer, dormir e reproduzir. Somos o Homo ludicus, às vezes até demais, poderíamos ser o Homo Solidarius, o Homo libertus, definitivamente não ao Homo Belicus. Pena que o engenho e a arte estejam por conta apenas da Argentina.

Mas - sempre tenho um mas - a festa e a imagem de integração de povos e culturas, loiros, olhos puxados, negros, morenos, todos tratando-se com aparente respeito, não pode fazer com que esqueçamos que há muito pouco tempo, pouquíssimo tempo mesmo (final do século XX!) ,tínhamos naquele país algo que faz com que tenhamos vergonha de fazer parte dessa espécie: o Apartheid.

Imagine que trogloditas armados invadam a sua casa, estuprem sua mulher e suas filhas, obriguem seu filho e você a trabalharem para eles, roubem tudo o que tinham e depois ainda fiquem lá, convivendo com vocês como se esta situação fosse normal. Além disso, o proíbem de usar o mesmo banheiro (só quando for lavar a sujeira que fazem), a mesma cozinha (só quando for cozinhar para eles), não os deixam estudar, apenas trabalhar, trabalhar, trabalhar para eles. De comida apenas os restos mínimos para a sobrevivência. Afirmam todos os dias que são superiores, são provenientes da civilização e estão auxiliando vocês, selvagens, a se tornarem um pouco melhores; na verdade estão lhes fazendo um bem. E o resto do mundo fazendo que não via. Onde estavam os justiceiros da humanidade, aqueles que não toleram afrontas aos direitos humanos em outros países, lutam pela democracia em qualquer canto deste planeta? Será que é porque já estavam sendo cuidados pelos ingleses, grandes parceiros dos norte-americanos em suas empreitadas? Interessante notar que acabaram de “achar” minérios, cobre etc (um trilhão!) no Afeganistão, que coincidência não?    

A imagem do francês, capitão do time, negro, chorando durante a execução do hino do seu país talvez queira dizer mais que um patriotismo comum. Talvez seja uma mistura de sentimentos, a sensação de, diante de tantos negros iguais a ele, ter voltado pra casa, pra casa da mãe. Mas ao mesmo tempo se sente um francês, nasceu na França. Faz parte de outro povo, mas não deixa de correr em suas veias o sangue da gente do país sede, e talvez passe rapidamente por sua mente a lembrança do tanto de sangue que seu novo povo derramou do seu povo originário, em segundos tenta apagar essas sensações, mas mente e coração não sabem o que fazer nesses casos e então chora. O mundo deveria refletir sobre o que fez com as pessoas daquele continente, pela primeira vez conhecê-lo, não como algo exótico, como bichos interessantes que vemos no zoológico, mas como pessoas com história, cultura e visão de mundo próprios; aprender com eles e não querer impor seu modo de ser.

Vou encerrar por aqui pra não ficar demasiadamente cansativo. Que o Brasil resolva jogar e ganhe esta Copa, a nossa seleção que é majoritariamente negra, filhos que voltam pra casa e trazem alegria, esperança, orgulho para o povo que constitui a maioria de nossa etnia. Que venha um novo tempo, tempo de mudança, vingança não, mas que lutemos por justiça e a igualdade verdadeira, a igualdade de oportunidades, a redistribuição do que foi furtado, Bob Marley, Zumbi, Mandela e todos aqueles que desejam habitar um mundo mais justo e livre esperam por isso. Que na próxima Copa na África tenhamos mais a celebrar e menos com o que nos indignar