quinta-feira, 3 de outubro de 2013

A tornozeleira

Sexta-feira clássica, ele acorda (puto com o celular até lembrar que é sexta), levanta, escova os dentes, toma banho, camisa bacana, perfume gostoso (hoje tem happy hour) etc.
Trabalho, internet, trabalho, café, café, internet, trabalho, conversa, e-mail, trabalho, já chega, falou.
Boteco, cerveja, galera, caipis, joga conversa fora, pega de volta, fala, ouve, ignora, mata o tempo.
Um panfleto na mesa e ele pensa: eu vou nessa parada. 
Galera, tô cansado, amanhã tenho compromisso, tô indo, abraço!
Cansado do mesmo e das mesmas pessoas, achou uma ótima oportunidade ir, sozinho, naquela festa rock, num lugar escuro, no qual as pessoas ainda fumam tranquilas e não sorriem pra parecerem felizes, além de não tirarem fotos o tempo inteiro.
Chegou lá.
Tava massa.
Como havia imaginado.
Só não havia imaginado aqueles olhos atrás daqueles óculos.
A moça pintara a pálpebra e ressaltou um mistério, uma intimidação convidativa naqueles olhos. Ao cruzarem os olhares, rolou (talvez tenha rolado) uma empatia descompromissada.
Ela exibia coturno, camiseta e tatoo.
Um “Red”! Vou lá. Mas falar o quê?
“O que que essa maravilha está fazendo aqui sozinha” com certeza não iria rolar.
Pensa.
Pensa.
Eureca!
Coragem. No máximo é um “não”.
Querendo impressionar, mandou um: O que você pensa sobre o imperativo categórico kantiano?
Ela solta um sorriso com um misto de deboche, desprezo, impaciência simpática.
A moça disse que a única moral que fazia sentido pra ela era a do super-homem nietzschiano, bem como achava, tipo o Raskólnikov do Dostoiévski , que era preciso não ser piolho, que o que você acha certo não é o que você realmente acha certo etc.
O papo continuou, quase um Eduardo e Mônica, tava ruim, mas tava bom.
Pelo menos ninguém perguntou o que o outro fazia, onde morava, o time, o filme, o ator, blá, blá, blá, falaram sobre coisas existenciais, as quais realmente são importantes, afinal, o que interessa senão tentar entender a existência?
Vamos andando?
Como assim “vamos”? Eu tô indo.
Pô, mas...
Tá. Bora. Mas não posso sair de um raio de 50 metros daqui.
?
Beleza.
Subiram num “Califórnia”. Sempre tem um Califórnia por perto.
Não precisa de detalhes. Isto não é um conto erótico. Mas foi tudo lindo.
Apenas cumpre ressaltar que num momento canela com canela o rapaz sentiu um arranhão de algo metálico. Ela tinha uma tornozeleira diferente. Bem diferente.
Vamos marcar depois... seu telefone...
Também gostei muito. Não tenho telefone. Pediu a conta?
Agora, às sextas-feiras à noite, o nosso personagem anda pelos bares existentes naqueles 50 metros.

No resto tempo pensa no porquê da tornozeleira e no papo e entende tudo, sem entender nada. 
(Imagem meramente ilustrativa)


sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Balada d`as três mulheres do sabonete Araxá: estética e mercadoria



Discutindo e atualizando aspectos das relações de troca e consumo realizados por Karl Marx, Wolfgang Fritz Haug apresenta em Crítica da estética da mercadoria, de forma sintética, os estímulos utilizados pelo capitalismo comercial no incentivo ao consumo fetichizado. Em nossa análise do poema Balada das três mulheres do sabonete Araxá, de Manuel Bandeira, identificamos o movimento de redução formal e estética, possível à poesia, realizadas pelo poeta e que dialogam com a análise de Haug. Este artigo buscará realizar uma discussão entre as duas construções.
Uma análise mais simples, restrita ao que está explícito no corpo de suas poesias, pode levar o leitor dos poemas banderianos a entendê-los demasiados inocentes e superficiais. No entanto, é preciso ir além no sentido de buscar sua profunda sensibilidade. Segundo Arrigucci (2000), nos livros Libertinagem (1930) e Estrela da manhã (1936), do qual faz parte o poema de nosso estudo, Bandeira havia atingido a maturidade poética, tendo construído um modo inconfundível de dizer as coisas que pretendia (...) desperto para o mundo em torno.(p.11), além de representarem sua maior adesão ao modernismo, anunciada anteriormente em outros livros.
No livro intitulado O cacto e a ruína, Davi Arrigucci (2000), antes de iniciar a análise do poema a que se dedica, faz um preâmbulo contextualizando Bandeira e o momento em que vivia. O crítico ressalta a perplexidade do poeta frente às transformações que marcavam o ingresso do Brasil na modernidade, com todas as contradições de sua realidade periférica - o país que já nasceu moderno. O momento vivenciado por Bandeira

Correspondia a diversas transformações históricas da sociedade e a determinadas aspirações de classe, de certas camadas mais avançadas da burguesia, nas duas primeiras décadas do século XX, num país que começava a industrializar-se, a urbanizar-se e a viver os problemas materiais e os conflitos ideológicos do mundo capitalista, agravados pelos desequilíbrios internos do desenvolvimento histórico e das desigualdades sociais. (ARRIGUCCI, 2000, p.13).

Arrigucci afirma ainda que verificar a articulação entre texto e contexto é o meio de compreender a profundidade e a peculiaridade da poesia de Bandeira no momento de definição de seu estilo, especialmente no que reflete e refrata a modernidade e seus novos rumos. Sua poesia faz a justaposição de elementos das mais diversas fontes, com inovações inusitadas, fazendo constar no poema objeto de nossa análise mulheres que são ao mesmo tempo lascivas, doiradas borboletas, três Marias, sem, no entanto, deixarem de ser apenas um retrato numa embalagem de sabonete. Arrigucci (2000) explica que
Bandeira revela desde logo as antenas sutis que possuía e fora afinando para captar uma poesia difusa no mundo das pequenas coisas do dia-a-dia, recolhendo elementos de contextos diversos, que ele aprendeu a considerar, aproximando-se do que até então não era tido por poético (p.17).

A percepção do poeta ao absurdo a que chegara a propaganda capitalista na busca da sedução do consumidor e a forma que mistura prosa, ditos populares e resquícios da poesia tradicional justapostos sob o título de balada, exemplifica a capacidade de captação dessas antenas ao mundo em que está envolto e a materialização estética e formal em poesia do que antes não poderia ser assim chamada, sendo assim temos poemas “feitos com palavras de todo dia, tirados do cotidiano mais corriqueiro, do mundo mais prosaico, conseguem, no entanto, conter, condensadas, a máxima complexidade e a emoção mais alta (ARRIGUCCI, 2000, p.19). O caminho aberto por Baudelaire na lírica moderna, rompendo com as separações categóricas de sublime e grotesco, prosa e poesia, dentre tantas outras, é trilhado de forma brilhante, inovadora e brasileira por Bandeira.
Arrigucci esclarece a importância das artes plásticas para a poesia e demais artes modernas, tendo sido, de certa forma, a ponta de lança das vanguardas modernistas. Nesse sentido, é interessante observar que a inspiração do poeta parte de um possível quadro, cartaz que reflete a imagem das mulheres do Sabonete Araxá, esta imagem é captada pelo poeta e refratada no poema.
 
Com efeito, ela parece tender, por meio de certos procedimentos de construção, para um tipo de poema que se diria imagético ou pictórico, avizinhando-se das tendências cubistas e surrealistas (mediante a redução estrutural ou a percepção simultaneísta, ou ainda, através da montagem surreal de elementos insólitos em contexto dissociado, onírico ou absurdo) no uso do verso livre, já a essa altura perfeitamente dominado e incorporado pelo poeta que levara anos no exercício de aproximação a esse novo tipo de verso. Depois, na constante tendência à extrema simplificação que parece ter presidido à organização formal da linguagem, submetida à mais completa poda, num claro esforço de redução do discurso lírico às palavras essenciais ao assunto (ARRIGUCCI, 2000, p.28).

Ainda sobre as inovações presentes na poesia do período, Antônio Candido, no ensaio intitulado A revolução de 30 e a cultura, esclarece que

Nas artes e na literatura foram mais flagrantes do que em qualquer outro campo cultural a “normalização” e a “generalização” dos fermentos renovadores, que nos anos de 1920 tinham assumido o caráter excepcional, restrito e contundente próprio das vanguardas, ferindo de modo cru os hábitos estabelecidos (CANDIDO, 2006, p.223).

Nesse mesmo ensaio, Candido (2006) complementa

Na poesia a libertação foi mais geral e atuante, na medida em que os modos tradicionais ficaram inviáveis e, praticamente, todos os poetas que tinham alguma coisa a dizer entraram pelo verso livre ou a livre utilização dos metros, ajustando-os aos anti-sentimentalismo e à antiênfase. Os decênios de 1930 e 1940 assistiram à consolidação e difusão da poética modernista, e também à produção madura de alguns dos seus próceres, como Manuel Bandeira e Mário de Andrade (p.225).

É esse quadro que mistura sensualidade, amor, mercadoria, ternura e vulgaridade que está pintado n`As três mulheres do sabonete Araxá, poema da maturidade de Manuel Bandeira capaz de ilustrar a alta elaboração formal e a sensibilidade aguda do poeta ao cotidiano local-universal no qual vivia.
Iniciamos a análise do poema pelo título, que traz a palavra balada como quem quer dizer: isso que segue abaixo é um poema, ainda que não pareça. Quer dizer ainda que trata-se de um tipo de poema suave, lírico, uma declaração de amor as três mulheres do sabonete Araxá. Tal indicação causa de imediato um estranhamento, um questionamento à veracidade desse sentimento já que, numa visão tradicional, não se pode amar três mulheres ao mesmo tempo. Ainda sobre o nome balada, a necessidade de constar no título indica, de certa forma, uma “etiqueta” de identificação, uma classificação prévia que para o leitor tem duas implicações possíveis: o direcionamento da sua interpretação, uma predisposição para uma leitura amena, quase uma ode as tais mulheres ou uma departamentalização, uma categorização do produto a ser consumido, facilitando sua localização na prateleira literária. Este último aspecto expressa uma maior relação com a análise do poema como um todo, evidenciando, pela forma, a crítica mordaz que o poeta faz à intensificação do processo de alienação capitalista em que tudo é mercadoria: de mulheres a poemas.
Ainda com relação ao título, quando coloca como conectivo entre as três mulheres e o sabonete a preposição “do” está sendo estabelecida uma relação de posse entre este e aquelas, o Sabonete Araxá é, portanto, o dono delas e, considerando a sociedade ocidental naquele momento já livre de regimes escravocratas, só é possível ter a posse sobre coisas e não sobre pessoas. Ciente desse processo de coisificação, o eu-lírico quer também possuí-las, para o que precisa comprá-las, o que é o grande nó do poema, pois como comprá-las de fato se a promessa do produto é uma impossibilidade?
Tentando imaginar o momento que originou a inspiração do poeta para tal criação, visualizamos Bandeira deparando-se com um cartaz, outdoor, embalagem, enfim algo de forte apelo visual capaz de invocar, hipnotizar o poeta. O recurso hipnótico, aliás materializado nas três mulheres, sempre foi característico das peças publicitárias da sociedade de consumo, que têm por grande objetivo seduzir o consumidor, não pelo que possa de fato oferecer a ele enquanto valor de uso, mas o fetiche do valor de troca, no caso, compre um sabonete e leve as três mulheres ou, para as mulheres, seja você também uma dessas mulheres usando o sabonete Araxá
Desse modo, consuma-se uma abstração: o valor de troca desligou-se também de cada necessidade particular ao se emancipar perante cada corpo particular de mercadorias. Àquele que o possui, ele concede um poder sobre todas as qualidades particulares, limitado apenas por sua quantidade (HAUG, 1997, p.24).

O dinheiro surge como facilitador das relações de troca, uma terceira referência quando da necessidade de entregar um bem de que não precise e receber por ele um outro do qual necessite (HAUG, 1997).  Apesar de já estar na era do uso do dinheiro enquanto ferramenta de intermediação das relações de troca, o poema não fala em valores monetários de forma explícita, mas retoma relações de troca direta entre os bens. A grande dificuldade para realização dessa troca é estabelecer uma equivalência entre as mercadorias disponibilizadas para o negócio. A primeira mercadoria oferecida pelo poeta é o “seu reino”, e qual seria o reino do poeta? Normalmente essa expressão, oriunda da obra Ricardo III, de William Shakespeare, “meu reino por um cavalo”, posteriormente tornado um dito popular no Brasil, é utilizada no sentido de: tudo que eu tenho por isso ou aquilo. O que tem o poeta senão a sua poesia? Está o poeta propondo entregar seu legado literário, sua inspiração lírica, todas as dores, visões e vivências propiciadas pela visão poética por uma vida de gozos ao lado das três moças, experimentar o “gozar a vida” que ao mesmo tempo é esquecê-la, é o não viver, penetrar no sono e acreditar que a verdadeira existência está no assistir (DEBORD, ANO).
Mas a proposta parece impossível, estaria o “proprietário” das três mulheres do sabonete Araxá disposto a trocá-las por isso? Não. Desesperado, oferece a sua mão-de-obra, sua vida, sua matéria, apresenta-se enquanto produto para ser possível de troca: Que eu vivo, padeço e morro só pelas três mulheres do sabonete Araxá! Mais uma vez, o poeta trabalha com o exagero, o que faz com que o leitor duvide da veracidade de sua afirmação, parece demasiadamente absurdo oferecer a vida por três mulheres desenhadas em um cartaz. Estaria o poeta ironizando a proposta do sabonete? Estaria exagerando em sua promessa para evidenciar o quanto é absurda e ilusória a promessa do produto? Certamente. A grande questão a que Bandeira chama a atenção no poema ao focar tão somente na imagem, na embalagem da mercadoria, é para o quanto esse movimento sedutor do capital é irreal, ridículo, absurdo, mas ao mesmo tempo naturalizado, encenado por consumidor e mercadoria no teatro da vida real, cada dia menos real, cada dia menos vida.   
Segundo Haug (1997), “a produção de mercadorias não tem como objetivo a produção de determinados valores de uso como tais, mas a produção para a venda’’ (p.26). Nesse sentido, o sabonete, ora produzido para higienização humana, torna-se a parte menos importante, o valor de uso da mercadoria descola-se quase que absolutamente do valor de troca, passando a importar apenas este último na venda da imagem das três mulheres é a riqueza abstrata, o valor de troca emancipado (p.28). A promessa do produto neste caso oferece ao comprador duas possibilidades: se mulher, poderá ter a pele e a beleza iguais à das mulheres ali desenhadas; se homem, poderá atrair aquelas mulheres usando o tal sabonete. “O valor de uso estético prometido pela mercadoria torna-se então instrumento para se obter dinheiro”, ou seja, o apelo estético passa a ser fundamental no processo de compra e venda “Quem domina a manifestação, domina as pessoas fascinadas mediante os sentidos’’ (HAUG, 1997, p.27).  
Outra marca da ironia do poema, construída pela contradição entre o dito e o sabido não explícito, está nas possibilidades que relaciona para “quem” seriam essas três mulheres. Como amar tanto, a ponto de sacrificar riquezas, regalias e a própria vida, algo de que nada se conhece? Pois a relação que têm entre si pode ser de amizade, amor, de irmãs; socialmente podem ter profissões extremamente divergentes: prostitutas, declamadoras, acrobatas. Essas profissões inclusive remetem à venda direta do corpo: prostitutas, serviços sexuais; declamadoras, voz e expressão para deleite da platéia; acrobata, músculos e imagem para contemplação do público que paga o espetáculo. Ainda utilizando o sabido não dito, faz menção as três Marias, três estrelas, estrelas estas que sempre foram fontes de inspiração lírica, mas no caso deixam a dúvida: são estrelas “celestes”, admiráveis e jamais atingíveis, ou estrelas “celebridades”, humanas, mas também inatingíveis? Fato é que as duas remetem a fetiches populares de desejos impossíveis, porém sempre cultuados socialmente e explorados inescrupulosamente pela publicidade.        
“A mercadoria ama o dinheiro” citação de Marx. Esse “amor” é o tipo de estímulo forte utilizado na busca da valorização das mercadorias, então
[...] um gênero inteiro de mercadorias lança olhares amorosos aos compradores imitando e oferecendo nada mais que os mesmos olhares amorosos, com os quais os compradores tentam cortejar os seus objetos humanos do desejo. Quem busca o amor faz-se bonito e amável (HAUG, 1997, p.30).

O amor do produto pelo dinheiro do poeta, bem como pelo dinheiro dos demais indivíduos da sociedade, está manifesto na expressão das sedutoras moças do cartaz. E aí misturando “todos os gostos,” apresenta para regozijo do comprador os diversos tipos femininos que permeiam a fantasia do masculino nacional: brancaranas azedas; mulatas cor da lua; celestes africanas. Certamente por alguma delas se terá interesse ou, como é o caso do eu-lírico em questão, interessa-se pelas três, materializando também uma outra diretriz capitalista: é preciso consumir em grandes quantidades.
Sobre o processo de transubstancialização da mercadoria, Haug (1997) explica-nos também
As mercadorias mesmo têm um desempenho bem menor daqueles que realmente deveriam ter, até mesmo no sentido imanente ao sistema; se não oferecesse ininterruptamente aos compradores a ideologia da felicidade, as mercadorias dificilmente suscitariam o sentimento da felicidade. O seu conteúdo de realidade torna-se cada vez mais sutil, e vê-se então que o mundo das mercadorias chegou a um ponto no qual simplesmente precisa romper com a realidade (p.47).

Esses movimentos ficam claros na construção banderiana, um quase mantra, a expressão as três mulheres do sabonete Araxá aparece 8 vezes em um poema de 19 versos. Assim como a publicidade cria a necessidade pela exposição incansável dos consumidores a determinado produto (presentes em todas as mídias possíveis), o eu-lírico manifesta a percepção da utilização dessa estratégia e a impõe ao leitor, demonstra assim sua fascinação e tenta convencê-lo a também desejar as tão exaltadas mulheres.
Outro trecho que chama atenção no poema
Se a segunda casasse, eu ficava safado da vida, dava pra beber e nunca mais telefonava.
Mas se a terceira morresse...Oh, então, nunca mais a minha vida outrora teria sido um festim!

Se a segunda casasse, o sujeito do poema faria o que o dito popular orienta “dava pra beber e nunca mais telefonava”. Utilizando o pretérito imperfeito do subjuntivo - “se a segunda casasse” – e ainda o pretérito imperfeito do indicativo - “dava”, “telefonava” – num tom coloquial, esses tempos verbais, ao mesmo tempo em que são a expressão de desejos, deixam em dúvida tais afirmações. Quando comenta a possibilidade da morte da terceira mulher faz uma confusão da lógica temporal com as flexões verbais apresentadas. “Nunca mais”; “teria sido”, “outrora”, conflitam-se na tentativa de construção do raciocínio. Quando diz-se “Nunca mais” está se fazendo menção a algo futuro, mas o poeta está se referindo ao passado de sua vida. Então Teria sido, pretérito mais-que-perfeito, e outrora, também passado, que aparecem enquanto projeção da história do sujeito da enunciação são inverdades, uma imaginação, uma criação moldável pelo presente. Mais uma vez o poema está questionando a bipartição do sujeito moderno entre vida vivida de fato e a projeção desta mesma vida criada de “fora para dentro”, na qual o indivíduo é convencido de uma felicidade, de uma existência que não tem. Mercadoria e mercado intensificam o processo de rompimento com a realidade criando uma outra. Nesta, viver é deixar-se seduzir por produtos, crer que o sentido da existência está no consumo e nas ilusórias realizações que este pode proporcionar - compre um sabonete e “tenha” três lindas mulheres. O poema a discute de forma confusa, como confuso é separar realidade de imaginação na sociedade de consumo, a poesia deixa ver essa esquizofrenia social ora naturalizada pela publicidade e demais instrumentos do capitwal.       
Segundo Michael Hamburguer (2007), em A verdade da poesia, “o objetivo dos poetas, pois, é “dizer verdades”, mas de maneiras necessariamente complicadas pelo “paradoxo da palavra humana” (p.56). Essa análise não tem a pretensão de desvendar a “verdadeira verdade” do poema, mas busca, a partir do elementos formais e contextuais, trazer à superfície as “verdades” percebidas por Bandeira em outra simulação que é a propaganda. Neste poema temos portanto um objeto estético que utiliza imagens, sons, figuras de linguagem e um eu-lírico fingido, desmascarando, ao fingir que acredita na máscara, a ilusão sedutora imposta pela publicidade que coisifica mulheres e as vende em embalagens de sabonetes, transforma relações humanas, inclusive a mais sublime que seria o amor, em negócio. Concluindo esta análise, citamos Karl Marx, em seu estudo intitulado O dinheiro
Suponhamos que o homem seja homem e que sua relação com o mundo seja humana. Então, o amor só poderá ser trocado por amor, confiança, por confiança, etc. (...) Todas as nossas relações com o homem e com a natureza terão de ser uma expressão específica, correspondente ao objeto de nossa escolha, de nossa vida individual real. Se você amar sem atrair amor em troca, isto é, se você não for capaz, pela manifestação de você mesmo como uma pessoa amável, fazer-se amado, então seu amor será impotente e um infortúnio. (Marx, 2004)


Referências bibliográficas
ARRIGUCCI,
BANDEIRA,
CANDIDO, Antonio. “A Revolução de 1930 e a cultura”. In: A Educação pela Noite. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2006
HAMBURGUER, Michael. “A verdade da poesia”. In: A verdade da poesia. São Paulo:  Cosacnaify, 2007.
HAUG, Wolfgang Fritz. “Primeira parte”. In: Crítica da Estética da mercadoria. São Paulo: UNESP, 1997.

MARX, Karl. “O dinheiro”. In: Manuscritos econômicos-filosóficos. São Paulo, Boitempo, 2004.

sábado, 27 de abril de 2013

Lei da anistia: uma síntese


Em homenagem ao filme O ano que durou 21 anos e à defesa de mestrado de um brother da UnB sobre a ADPF 153
Imaginemos a seguinte situação hipotética: um pai, conhecido como Ruipressor, mantém seu filho de 7 anos, Ruiprimido, durante 21 anos, preso em um dos cômodos da casa. Tal castigo foi implementado após o filho demorar mais de quinze minutos para chegar em casa, não cumprir o acordado com seu pai. Segundo o genitor, tal ação representou uma manifestação clara de desobediência, afronta, anarquia, desrespeito aos valores da família, da hierarquia e da ordem. Assim, deveria receber a reprimenda necessária para que esse comportamento não colocasse em risco a harmonia existente em seu lar, o que, ainda que Rui filho não soubesse ou concordasse, seria bom para todos. 

Era rotina a aplicação de surras, necessárias para manter o preso com sentimento de respeito (medo?), algo sempre necessário para a manutenção da ordem nos sistemas governados por autoridades autoritárias. Quando, eventualmente, Ruiprimido manifestava qualquer insatisfação ou atitude minimamente suspeita, aí a pisa era bem pior que as costumeiras: choques, agulhas embaixo das unhas, compressão dos testículos com alicates, violação de sua cavidade anal, tapas, cuspes e o que mais a inspiração perversa sugerisse no dia. Mas  tudo se justifica, afinal, como ousava se opor a alguém que estava ali apenas para auxiliá-lo, torná-lo um ser humano melhor? Subversão é imperdoável.

Pois bem, os anos se passaram e sustentar o filho naquelas condições estava ficando insustentável, seja pelo custo, seja pela desconfiança de amigos e parentes de que algo não andava muito bem com o rebento de Ruiprimdo. Assim, chamou Ruiprimido e propôs um acordo: Olha meu filho, acredito que você já aprendeu os valores que queria lhe passar, acho que agora poderá ser livre, a única condição é que me perdoe por tudo que lhe fiz, assim como o perdoarei por suas desobediências (tentativas de fuga, reclamações), assine este documento se comprometendo a jamais denunciar ou querer revidar quaisquer das medidas socioeducativas que apliquei em você. É só isso: assina e vai viver sua vida, o que passou... passou.
Ruiprimido agora, 25 anos após o acordo de soltura, começa a se acostumar com a liberdade, ainda não sabe o que fazer, mas acha que deve mudar seu nome para Luiberto. 

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Marco Feliciano: uma luz nas trevas


Semana passada, mais precisamente na segunda-feira, fui à biblioteca do meu serviço em busca de algum livro que me ajudasse na elaboração de um parecer. Na entrada do local, há uma estante com os veículos informacionais cujo objetivo é oferecer notícias para consumo imediato, cotidiano; plataformas ainda impressas que funcionam como fomentos necessários às conversas que se querem reflexivas acerca do mundo ao redor. Surpreendo-me, em parte, ao ver que as matérias de capa das revistas Veja, Época e Isto É apresentam reportagens sobre temas caros às esquerdas e aos progressistas contemporâneos (não sei, honestamente, se há alguma distinção entre essas duas classificações). Todas tratavam de minorias - este termo, como todo conceito genérico e banalizado, me causa uma certa apreensão cognitiva, haja vista seu caráter amplo e impreciso. Respostas ao caricato, ignóbil, pseudo-higienista e inadjetivável - dada sua torpeza - Deputado Marco Feliciano? Não sei. Se for, ótimo! Tenho de reconhecer o meu cínico contentamento quando vejo que os donos do poder estão do mesmo lado que eu, ainda que por motivos diversos. Dá uma sensação de que, pelo menos nisso, não irei perder. Duas delas falavam de relações homoafetivas e uma sobre o sucesso das cotas. Preâmbulo feito, vamos ao texto da vez.

Esqueçam o que acabaram de ler. Não acredito mais em muitos dos conceitos que tinha como pressupostos construídos e internalizados por todos aqueles que ficam incomodados com as contradições patentes do mundo que os cercam, quais sejam: a)respeito às diferenças culturais/étnicas/individuais, à relatividade das diversas crenças, à autodeterminação dos povos, famílias e indivíduos; b) aos ideais burgueses libertários de igualdade, liberdade e fraternidade; c) às pretensões socialistas de justiça social, igualdade material e senso de coletividade que leva ao compartilhamento de todos os nossos avanços tecnológicos, sociais, científicos, humanísticos e culturais por todos; d) dentre outros. É sério. A capacidade argumentativa e a força da oratória do escolhido por Deus, que hoje ocupa a presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, iluminou a penumbra que até então distorcia minha visão de mundo.

Neste sentido, peço algumas orientações a este instrumento do Onipresente, porta-voz dos valores fundamentais do Senhor.

Iluminado Pastor, tive a sorte de ver e ouvir seus esclarecimentos sobre os negros. Entendi que as mazelas pelas quais passam os povos africanos não são produtos das violências impetradas de forma brutal, covarde e sistemática por nações belicamente mais desenvolvidas e necessitadas de expansão mercantil capaz de sustentar a ostentação da qual gozavam até então. Mas sim um castigo do Nosso Senhor, aquele piedoso e, ao mesmo tempo, vingativo Deus capaz de perdoar 70 X 7 vezes; assim como de incendiar populações inteiras de cidades nas quais uma pequena parte dos habitantes praticava atos que o desagradavam. A reprimenda aplicada aos povos oriundos do continente africano, desde os tempos mais remotos até os dias atuais, é justa e necessária por terem sido eles os primeiros a praticar, neste mundo, atos libidinosos entre pessoas do mesmo sexo. Isso esclarece, inclusive, a ameaça de extinção pela qual passam atualmente espécies animais como golfinhos, macacos e outros; subcategorias de mamíferos nas quais alguns de seus indivíduos ousaram ter comportamentos antinaturais, como a homossexualidade.

Preclaro apóstolo, observei – corrija-me conforme os mandamentos da Divindade se estiver equivocado – que também é, como eu, de ascendência africana, neste caso, como fugir da maldição apregoada aos nossos ancestrais e seus descendentes? Admito que fiquei desesperado diante de tal informação. Não bastasse isso, meu pai era meio “pai de santo” (ou seria hospedeiro de demônios?), o que, creio, piora em muito a minha situação. Há redenção possível neste caso? Devo tentar um clareamento de pele? É possível, e aceitável, ao menos tentar uma mudança genética de forma que meus descendentes não sofram tal maldição? Não quero, de forma alguma, que eles passem por esse castigo divinamente ordenado e materializado no preconceito e discriminação que sofro diariamente em todas as situações sociais, inevitáveis, às quais sou exposto.

Isto não é tudo, ó Messias! Durante minha infância, brinquei de forma libidinosa com meus amiguinhos (o vulgo troca-troca, não sei se o Sr. também passou por isso), coisa de moleque que deseja potencializar o hedônico prazer obtido mediante manipulações em sua genitália. Foi só uma fase, depois não curti mais meninos, só meninas. Acredito que não sofro dessa abominável doença chamada homossexualismo, mas cometi homossexualidades. Estou condenado? É irreversível? Há como rever isto?

Peço ainda, escolhido varão, que me explique como fazer o Pai entender um ato repugnante cometido por uma antiga namorada, o qual contou com minha participação, ainda que de forma omissiva. Ouvi falar que sua genitora já foi responsável por uma clínica de abortos ilegais. É isso, tinha dezessete anos e a menina também, concluímos que aquele óvulo de dois meses não deveria seguir seu curso normal, haja vista os prejuízos que causaria as nossas vidas profissionais e discentes. Sua mãe fez isso de forma contumaz, como ela conseguiu reconciliar-se com a Providência? Imagino que essa experiência pode me dar uma diretriz.

Ademais, ungido representante do povo, compreendi, assistindo às sábias pregações caridosamente realizadas pelo Sr., que Deus só paga dividendos aos seus acionistas, ou seja, tal qual empresas de capital aberto, o empreendimento celestial, cujos postos de atendimento na terra são as igrejas evangélicas, remunera seus acionistas na proporção de seus investimentos. Eu era tão ignorante que pensava que o Altíssimo apoiava a redistribuição de renda, no sentido de minimizar injustiças sociais. Claro que não. Se você não evolui financeiramente, o erro é seu: maldições, pecados, provações etc. Pagar os dez por cento sobre a remuneração é uma obrigação muito mais séria do que os impostos e juros, no caso de não pagamento, Ele não cobra só o que não foi repassado, mas age para que a pessoa perca tudo o que tem e, se não tiver nada, não ganhe nada, sequer o mínimo necessário para o sustento da sua família. Jeová possui instrumentos muito mais eficazes para cobrar suas receitas do que as empresas, credores pessoas físicas, bancos, máfias, traficantes, fisco; Ele faz o inadimplente provar o insucesso, o fracasso, a estagnação, a falência, a quebradeira - de tal modo que o desvirtuado  pense que foi abandonado por Ele. Talvez por isso eu ainda deva tanto. Há como pagar o retroativo? Segundo as estatísticas econométricas, qual tem sido o prazo médio de retorno? É que estou com um dinheiro pra resolver algumas pendências, mas, a depender do ganho e do prazo, talvez fosse melhor aplicar na carteira (de investimentos) do Sr. O que acha?

Finalmente, agraciado pelo Pai com o dom da hermenêutica divina e, por isto, intérprete visionário dos fatos cotidianos, quero agradecê-lo pelos esclarecimentos prestados, de forma tão didática, sobre as razões que causaram os óbitos, revestidos por uma suposta fatalidade inerente à existência humana, de alguns músicos. Claro que não foram. Afinal, não cai uma folha de uma árvore sem a autorização Dele. Deus mandou matar Lennon, inconformado com a herética afirmação proferida por este ao declarar ser sua banda mais conhecida do que o primogênito enviado por Ele. Ainda que a exposição midiática e as manifestações de apreço protagonizadas por fãs dos Beatles fossem muito mais (infinitamente mais) perceptíveis, quando comparadas aos atos de fé realizados pelos cristãos naquele momento, esse comentário, mesmo que dito de forma despretensiosa, impensada e sem ter por objetivo colocar-se num grau de importância superior ao do Messias, foi mostra de uma insubordinação intolerável. Pouco importa se esse artista dedicou grande parte de sua vida para falar de amor, paz e necessidade da ação de todos para a construção de um mundo melhor, pois aquele que desafia o Criador deve ser eliminado. Acredito que o executor da demanda tenha sido absolvido, pela justiça celestial, do delito cometido. Talvez estrito cumprimento de uma ordem de superior hierárquico não expressamente ilegal ou alguma coação irresistível. Também Deus derrubou o avião dos Mamonas Assassinas, banda com tal nome não pode continuar – e eu que dançava “Robocop Gay”, Perdoa, Senhor!

Só queria saber, Mestre, se não há como nosso senhor dar uma melhorada na atual safra da música popular brasileira, levar os Leleks, Telós e Quadradinhos de 8. Estou orando pra isso!

Reverências do seu mais novo fiel!                                 

domingo, 31 de março de 2013

Ele queria ser o Ben Dez


Ele queria o ser o Ben Dez (como costumeiramente falamos no Brasil). De fato, não era. Poderia ser. No entanto, podia transformar-se em heróis-monstros com poderes especiais, aptos a combater e vencer inimigos malvadões que, eventualmente, viessem a agredir outros habitantes do universo - em regra, seres de boa índole e indefesos.
Seu pai já quis ser o He-Man; sua mãe, a She-Ha; os gregos, Ulisses; outros, outros.
Heróis são necessários. Às vezes, são deuses (onipotentes, vingativos, solidários, entidades, Sol, anjos, demônios e tudo mais), noutras, personagens reconhecidamente literários, ficcionais.
Betinho queria fazer com que papai e mamãe não brigassem mais, que a sua bagunça se arrumasse num só comando seu, que a van em na qual vai pra escola voasse sobre os outros carros e chegasse logo.
Por vezes, tentava transformar-se apertando os botões do relógio igual ao do seu ídolo (réplica, brinquedo, não pra ele, claro). Ganhou esse equipamento, junto com outros acessórios que constituem a armadura (?), após um ano de bom comportamento: interrompeu birras incipientes, comeu coisas verdes, emprestou brinquedos aos amiguinhos, foi dormir (ou pelo menos foi pra cama) no horário recomendado (imposto) e fez tarefas escolares. Papai Noel, reconhecendo seus méritos e sacrifícios, atendeu ao pedido - reiterado tantas vezes ao longo do ano.

Pasmem, amigos! Não funcionava, ou seja, Betinho não passava pelas mutações desejadas, vendidas.
Ocorre que, segundo seus pais, algumas vezes sofreu metamorfoses. Os progenitores ficavam assustados: - Nossa! Quem é você?! Perguntavam. O menino logo os tranquilizava: - Calma, gente! Sou eu, Betinho. Momentos de regozijo (vocábulo bastante infanto-juvenil esse, né?) ele vivia.

Ocorre que nosso protagonista começou a desconfiar das informações dos seus ascendentes de primeiro grau. Além dos questionamentos de seu irmão mais velho, Ricardo, sempre a negar estar diante de uma criatura de outro planeta e, o pior, fazia o que mais detestava: o chamava de neném da mamãe. Após a ofensa, nossa tentativa de redentor olhava para seus braços e via aqueles membros curtos e frágeis de sempre, não havia como socar o grandalhão mais velho, tampouco soltar metais, fogo, água, estalactites em sua direção.

Não bastasse isto, um certo dia, refugiado em sua base secreta (embaixo da cama), viu sua mãe entrar em seu quarto, aproximar-se de seu leito e sair. O que ela não sabia era que ele aguardava a Fada do Dente, queria conversar com alguém que, como ele, estava para além dos limites deste mundo. Não viu nada diferente em cima da cama, mas algo o mandou levantar o travesseiro, sob o qual há pouco deixara seu último dente de leite – como aprendera desde o primeiro osso bucal amolecido, ato que sempre lhe rendeu R$ 2,00. O seu canino superior esquerdo não estava mais ali, apenas os tais R$ 2,00. Não podia acreditar que a pessoa (ou as pessoas, já que um casal é uma pessoa só, seu pai também participara daquilo) o enganara esse tempo todo – concluiu que, tal como Papai Noel, Coelhinho da Páscoa, Cuca e o Bicho-papão, essa tal fada também era mais um engodo, um embuste forjado para fazer com que ele fizesse o que seus pais queriam.

Reflexivo, apertou mais uma vez seu relógio, bracelete, sei lá, diante do espelho do guarda-roupa: nada. Era o mesmo: pequeno, magro, cabelo cortado daquele jeito de sempre (do qual não gostava nada). Ele não tinha poderes acionáveis a qualquer momento para resolver problemas.

Quando estava crente das habilidades excepcionais adquiridas, imaginou-se realizando ações que salvaguardavam coletividades em situações de risco (sonhos pouco comuns para um garoto daquela idade), dentre elas: desviar rios, córregos e nascentes para perto das pessoas que, pelo que havia entendido do noticiário, morriam de cede, não conseguiam colher/plantar por falta de água; iria distribuir alimentos, conseguidos nos mais diversos lugares do planeta por meio de seus diversos poderes, àquelas crianças das quais sua mãe sempre falava que queriam muito comer a comida que recusava; ia, ainda, destruir as armas do mundo para que, como seu amiguinho da escola sempre falava, as mortes e as guerras acabassem neste planeta.

No dia seguinte, Bentinho acordou cedo para ir à escola; não comeu nada, ficou esperando, pronto, na sala. A revolta com os pais já quase não existia mais, apenas uma decepção com um monte de coisas que nem sabia explicar direito. Concluiu que o Ben Dez não pertencia só à Terra, que combatia apenas seres extraterrestres, não intervinha em conflitos entre iguais, como os que ocorriam aqui, ficou com vontade de ser um humano com grandes poderes humanos para enfrentar os humanos do mal, já que aqui são eles, os humanos, que devem resolver seus problemas.  

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Aforismos meus (1)


Bem, como nunca serei lido, tampouco terei um "The best of" (nunca quis mesmo, rsrs), fiz minha própria seleção de frases que escrevi. Fazem parte de outros textos, de épocas diversas (1998-2012, não necessariamente nessa ordem). 
Leiam pausadamente, um período por vez, certo?
Isso mesmo, voltei. 
Como disse Rilke:
"Procure entrar em si mesmo. Investigue o motivo que o manda escrever; examine se estende suas raízes pelos recantos mais profundos de sua alma; confesse a si mesmo: morreria, se lhe fosse vedado escrever? Isto acima de tudo: pergunte a si mesmo na hora mais tranqüila de sua noite:"Sou mesmo forçado a escrever?" Escave dentro de si uma resposta profunda. Se for afirmativa, se puder contestar àquela pergunta severa por um forte e simples "sou", então construa a sua vida de acordo com esta necessidade." (Cartas a um jovem poeta).
Sim, era necessário. Leiam o outro também.

A primeira chance, às vezes, é a última chance.
Se juntar todos os meus pedaços, não formo um todo.
É tanto aparelho ligado para ninar a fera que existe em nós.
Gente bem resolvida é tão chata.
Sua ausência, mais do que suas coisas, me lembram você.
As chances continuam existindo para todos, mas possíveis para poucos.
A entrada é franca, mas o conteúdo é pago.
Como se fazer sentido fosse preciso.
Alguém agora está querendo ser e sentir.
Ao que tudo indica, teremos de conviver com a gente mesmo.
Quero que gostem de mim não pelo que sou, mas pelo que eu sinto.
Apenas cumpro ordens.
Onde estão os caras que iriam mudar o mundo? Alguns estão tentando, outros estão tentando mudar a si: é mais fácil.
A vida continua viva, ardente, tediosa, triste, alegre, sonhadora, desesperançada, amorosa, amargurada. É a vida.
Bombas nucleares nós não temos, mas a miséria mata mais que a radiação, mata em silêncio, em câmera lenta, asfixia social.

Gosto da solidão, gosto de estar entre os outros e de dizer e de ouvir coisas que não dizem nada.
É néscio aquele que se repete e espera outro resultado.
O mundo está mudando todo dia e não está mudando em nada.
O homem é limitado: cabe num A4.
Queria saber dizer o que todos os filhos das mães quiseram e querem dizer-lhes.
Mãe sabe que a cria nunca se cria e sempre precisará dela.
Lutamos por uma abstração chamada direitos humanos, defendemos espécimes de sapos em extinção como se fossem nossa própria vida, mas ainda somos indiferentes aos que estão morrendo de fome – muitas pessoas, muitas mesmo, morrem de fome neste país e neste planeta de desperdício, egoísmo, soberba e esnobismo.
Deixei meus vulcões descuidados. Todos entraram em erupção. Destruíram meu planeta e minha rosa. Não por culpa ou maldade, nossos vulcões precisam de atenção.
Ainda esses dias, saí juntando os meus pedaços: pareciam pedaços de um quebra-cabeça incompleto. Era eu invisível dentro de mim.
Quando o bem mostrará que é mais forte que o mal?
Às vezes, a razão está em não ter razão.
Posso até perder, mas não pra mim.
Tudo sem preço, sem prazo, sem perdão nem pecado.
Quero o final, mas ainda nem comecei.
Foda não ser mais aquele. Foda ser o que não se é de verdade. Foda você querer ser ele. Foda querer mil coisas ao mesmo tempo e ao mesmo tempo não querer nada.

O que estão dizendo do nosso mundo

Medicalização da vida

Drogadição da vida
Facebookzação da vida
Banalização da vida
Burocratização da vida
Mercadificação da vida
Alienação da vida

Sociedade do espetáculo
Sociedade do consumo
Sociedade de massas
Sociedade da especulação
Sociedade do corpo
Sociedade do indivídualismo

Existencialismo
Racionalismo
Espiritualismo
Ateísmo
Ativismo

Globalização
Exploração
Conexão
Exclusão

Gênero
Etnia
Classe

Liberdade
Desigualdade

Vazio

O que estamos fazendo com nossas vidas?
O que devemos fazer?
Há o que fazer?

Dizemos: - Política?! É só pros desonestos. Protesto?! Resolve nada. Proposta?! Tudo já foi tentado. Voluntariado?! Não tenho tempo. Não é que eu não me preocupe com os outros, mas não posso fazer nada. Acho até legal quando vejo uma galera manifestando sua indignação, mas, na prática, isso não resolve nada.

É isso mesmo, galera? Ainda espero que não. Se souberem de alguma coisa, me avisem.