sexta-feira, 2 de julho de 2010

Sobre a Copa, a Copa da/na África do Sul

Fiz este post antes da derrota de hoje, depois falamos sobre isso, não estou emocionalmente apto no momento.
O futebol já foi atacado como sendo o ópio do nosso povo, o nosso circo do “panis et circenses”. Eu mesmo já cansei de prometer a mim mesmo que não ia mais torcer, que esse negócio é só alienação, e agora é só um negócio. É pra fazer com que esqueçamos os reais problemas – a desigualdade social não tem problema, mas sim o Mengão, meu time de coração, perder. Não consigo deixar de ficar triste quando o Flamengo perde, mas nem por isso deixo de me incomodar, dioturnamente, com os nossos problemas econômicos, sociais, ambientais, humanos.

A Copa na África do Sul, muito além do futebol, traz imagens, situações, falas, que provocam reflexões inevitáveis. Primeiro, chama a atenção o fato de uma parte muito considerável da humanidade parar máquinas, dores, rixas, ressentimentos e se reunir (unir já seria demais!) para... brincar! Ora, o que é esse campeonato senão uma brincadeira, um espetáculo, uma diversão protagonizada pelos jogadores e vivenciada por todos que assistem. Mas o curioso é como levamos tão a sério, é uma prova do quão ser humano é mais que trabalhar, comer, dormir e reproduzir. Somos o Homo ludicus, às vezes até demais, poderíamos ser o Homo Solidarius, o Homo libertus, definitivamente não ao Homo Belicus. Pena que o engenho e a arte estejam por conta apenas da Argentina.

Mas - sempre tenho um mas - a festa e a imagem de integração de povos e culturas, loiros, olhos puxados, negros, morenos, todos tratando-se com aparente respeito, não pode fazer com que esqueçamos que há muito pouco tempo, pouquíssimo tempo mesmo (final do século XX!) ,tínhamos naquele país algo que faz com que tenhamos vergonha de fazer parte dessa espécie: o Apartheid.

Imagine que trogloditas armados invadam a sua casa, estuprem sua mulher e suas filhas, obriguem seu filho e você a trabalharem para eles, roubem tudo o que tinham e depois ainda fiquem lá, convivendo com vocês como se esta situação fosse normal. Além disso, o proíbem de usar o mesmo banheiro (só quando for lavar a sujeira que fazem), a mesma cozinha (só quando for cozinhar para eles), não os deixam estudar, apenas trabalhar, trabalhar, trabalhar para eles. De comida apenas os restos mínimos para a sobrevivência. Afirmam todos os dias que são superiores, são provenientes da civilização e estão auxiliando vocês, selvagens, a se tornarem um pouco melhores; na verdade estão lhes fazendo um bem. E o resto do mundo fazendo que não via. Onde estavam os justiceiros da humanidade, aqueles que não toleram afrontas aos direitos humanos em outros países, lutam pela democracia em qualquer canto deste planeta? Será que é porque já estavam sendo cuidados pelos ingleses, grandes parceiros dos norte-americanos em suas empreitadas? Interessante notar que acabaram de “achar” minérios, cobre etc (um trilhão!) no Afeganistão, que coincidência não?    

A imagem do francês, capitão do time, negro, chorando durante a execução do hino do seu país talvez queira dizer mais que um patriotismo comum. Talvez seja uma mistura de sentimentos, a sensação de, diante de tantos negros iguais a ele, ter voltado pra casa, pra casa da mãe. Mas ao mesmo tempo se sente um francês, nasceu na França. Faz parte de outro povo, mas não deixa de correr em suas veias o sangue da gente do país sede, e talvez passe rapidamente por sua mente a lembrança do tanto de sangue que seu novo povo derramou do seu povo originário, em segundos tenta apagar essas sensações, mas mente e coração não sabem o que fazer nesses casos e então chora. O mundo deveria refletir sobre o que fez com as pessoas daquele continente, pela primeira vez conhecê-lo, não como algo exótico, como bichos interessantes que vemos no zoológico, mas como pessoas com história, cultura e visão de mundo próprios; aprender com eles e não querer impor seu modo de ser.

Vou encerrar por aqui pra não ficar demasiadamente cansativo. Que o Brasil resolva jogar e ganhe esta Copa, a nossa seleção que é majoritariamente negra, filhos que voltam pra casa e trazem alegria, esperança, orgulho para o povo que constitui a maioria de nossa etnia. Que venha um novo tempo, tempo de mudança, vingança não, mas que lutemos por justiça e a igualdade verdadeira, a igualdade de oportunidades, a redistribuição do que foi furtado, Bob Marley, Zumbi, Mandela e todos aqueles que desejam habitar um mundo mais justo e livre esperam por isso. Que na próxima Copa na África tenhamos mais a celebrar e menos com o que nos indignar

6 comentários:

  1. É bom quando alguém admite que gosta de futebol, de copa do mundo rsrs Cansei das reações bizarras tipo "vc lê poesia e vê futebol?". Voltando ao tópico realmente essa copa tem mostrado muita coisa, mas o que mais me chama a atenção é o profissionalismo exagerado, não sei como ainda não soltaram um "gol é um detalhe". Desse mesmo profissionalismo tenho pena da África do Sul que deve ter sido tão pilhada pra construção desses estádios (futuramente inúteis), e os próximos somos nós. No Gama estão usando a parte de baixo das arquibancadas como sala de aula da UnB, significativo neh?

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  2. Resolvi aparecer só para elogiar a imagem na capa do blog. Muito legal, Cadu. É de quem mesmo? hehehehe :D
    Beijos!

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  3. Tamara, aqui não é o Cadu, mas eu respondo: A imagem da capa é uma obra de Salvador Dalí "Geopoliticus Child Watching the Birth of Man". Bjos

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  4. Muito bem, galera! Valeu, Rosi. É sinal que ando muito displicente com o blog, mas é a vida. Prometo um novo post esta semana...

    Tamara, espero que tenha gostado da imagem, afinal você é uma das poucas loucas que acessam este espaço de devaneios desnecessários da net...

    Obrigado e beijos!

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  5. A imagem é interessante. Prefiro algo rosa com alguns corações, mas tudo bem. rs
    Beijos!

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