terça-feira, 16 de março de 2010

O frentista

Frentista é um nome pouco convidativo para uma leitura, para uma profissão, para qualquer coisa aparentemente, né? Pois, para o Tiago não. Tiago é um conhecido meu que desde criança era fascinado com a profissão de frentista, segundo ele, lindo nome: lembra linha de frente. Quando o pai ia abastecer no posto de gasolina, adorava o odor da gasolina, do álcool, do diesel, enfim aquele aroma típico dos postos. Encantava-se com a prestatividade dos atendentes sinalizando a disponibilidade de suas bombas, sorrisos no rosto, preocupados se o óleo do carro de papai estava bem, se não queria mais alguma coisa... Todos aqueles carros... adorava carros. E a bomba que parece uma pistola; e todas as pessoas que conhecem os frentistas todos os dias, mil amigos!

O playmobil do Tiago? claro, um posto de gasolina. A fantasia para o baile de carnaval? Claro, a de frentista. E o garoto ia alimentando seu encantamento, colecionava brindes, adesivos, Shell, Texaco, Esso, BR, Ipiranga. Quando podia ia para o posto ficar próximo ao ar e ajudar os motoristas, ele brincava, eles adoravam a comodidade, então balinhas e trocados. A certeza do sonho profissional ia se firmando: frentista!

Obviamente a família queria para Tiago diploma, trabalho bem remunerado, respeito na sociedade e tudo mais que essas profissões classe medianas trazem. Mas ele resistia. Terminou namoro, ficou sem falar com o pai, desconversava com a mãe, irritava-se com os irmãos: é duro ter um sonho. Mas ele não arredou de sua pretensão, ao dezoito, nada de vestibular, nada de concurso, nada de curso técnico, nada de nada: currículo em todos os postos de gasolina, uma ligação e enfim o início da realização do desejo: contratado temporariamente para atuar como frentista – alegria esta que Tiago comemorou sozinho, os demais lamentaram, mas já em silêncio, o rapaz estava por demais convencido.

Tiago começa. Empolgação, corre pra lá, pra cá, a sua bomba é a primeira em abastecimentos já na primeira semana! E assim por mais algum tempo. Mas o tempo é foda... e o cheiro do posto começa a dar náuseas, os clientes, em sua grande maioria, são uns estúpidos e o tratam como uma máquina, um ser sem nome, a prestatividade é uma obrigação, os carros que tanto adora? Jamais poderá comprar um com seu salário, salário este que não dá prá nada e é pago com o que lhe pagam uns cinco clientes, isso, o salário do Tiago é o equivalente a cinco tanques cheios – de carro popular, é claro.

Tiago não entende, em seus devaneios o petróleo que corre das bombas é vermelho sangue, o gerente da pista é um monstro, um capataz armado, sua caneta é um chicote que pune Tiago com as diferenças da bomba no fim do dia. Inimigos por todos os lados, todos são: no posto e em casa. Ele não tem abrigo, amigo, não tem nada. Apenas um sonho falido: não se deve querer sem frentista, isso é para quem não tem opção! Esse pensamento e outros ecoavam em suas lembranças, assim como as tardes que divertia-se enchendo os pneus dos carros, quando brincava com o frentista do posto que seu pai sempre frequentava e dizia: quando crescer quero ser como você! Agora vinha claro o sorriso sem graça daquele frentista que evidenciava um pensamento do tipo: garoto, deixe de bobagem, isso não é coisa que se queira!

Não tenho mais notícias do Tiago. Certo dia não voltou pra casa, não foi trabalhar no dia seguinte.
Talvez tenha inventado outro sonho e ido atrás, talvez tenha entendido que não vale a pena sonhar, mesmo quando a alma não é pequena.

5 comentários:

  1. Lá vem a chata.otimista.que.ainda.pensa.em.casar.e.ter.filhos dando seus petelecos... rs
    Lidar com frustrações não é nada fácil. E ainda assim, não desistir dos seus sonhos, mais ainda.

    Mas, analisemos outra profissão, que não a do frentista... A profissão professor, por exemplo, tida sob o meu ponto de vista como mediana. A criança que fala que quer ser professor hoje em dia, escuta logo dos pais (muitas vezes até professores frustrados) que é mellhor buscar outro caminho. E quantos são os desafios na educação? Fora a baixa remuneração, a falta de valorização, os alunos mimados, os pais mal educados, as regras, as cobranças, enfim, poderia enumerar vários itens que levariam qualquer profissional da área a desistir da profissão. E se todos eles desistissem dos seus ideais e dos valores em que acreditam e simplesmente não aparecessem no dia seguinte na escola? Como seria? Nem quero imaginar, pois, se com eles, a coisa já anda preta, sem eles, 2012 chegou e vou entrar em pane logo, logo kkkkkkk.
    Bom, "se podemos sonhar, também podemos tornar nossos sonhos realidade." Walt Disney
    As frutrações existirão sempre. Vencê-las é que é o grande desafio. Sonhar continua valendo a pena, Cadu.

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  2. Oi, Tamara!

    Olha, não estou dizendo que sonhos não valem a pena. Se assim achasse, não manteria este blog, nem continuaria em busca de caminhos para viver melhor e melhorar a vida dos demais deste mundinho nosso de meu deus.

    Concordo com tudo que você falou, aliás, muito bem. Só acho que o nosso "frentista", que não existe, é um contocrônica, poderia ser feliz sendo frentista, caso as coisa não fossem como são...

    Por que não se pode querer ser determinadas coisas, levar determinado tipo de vida? Por que temos que pagar um preço tão caro para exercer/lutar por nossos sonhos? Por que só um tipo de sonho é aceito? Foi mais ou menos nessa linha que quis construir o raciocíno.

    Mas devemos sonhar sim! O Sol vem e a chuva também, tem o ar, tem a vida, tem a lua linda. Tem gente como a gente. Tem a beleza da luta diária, necessária. Sonhar e lutar por nossos sonhos é o que nos resta, é tudo que temos/devemos.

    A história e a estória são tristes, não nego. Mas poderiam não ser...

    Um beijão e saudades de tomar uma (uma!) com vocês.

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  3. Agora eu entendi sua linha de raciocínio. Que bom que eu estava equivocada e que você continua sendo um garoto sonhador.
    Vamos marcar nossa cervejinha.
    Beijo!

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  4. "lutar pelos seus ideais", que coisa mais linda! meus sonhos ficaram todos pelo caminho. fui engolido pelo universo do "frentista". não ouso mais ter um ideal. a vida por ela mesma já dá um trabalho da pôrra! "e sinto a bruxa presa na zona de luz". todo dia me pergunto por que a gente se submete a tudo isso! tô exausto de viver, nã vou me desgastar sonhando. não adianta!

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  5. Já cansei desse "post" do frentista...atualiza ae...bjo

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