quinta-feira, 3 de outubro de 2013

A tornozeleira

Sexta-feira clássica, ele acorda (puto com o celular até lembrar que é sexta), levanta, escova os dentes, toma banho, camisa bacana, perfume gostoso (hoje tem happy hour) etc.
Trabalho, internet, trabalho, café, café, internet, trabalho, conversa, e-mail, trabalho, já chega, falou.
Boteco, cerveja, galera, caipis, joga conversa fora, pega de volta, fala, ouve, ignora, mata o tempo.
Um panfleto na mesa e ele pensa: eu vou nessa parada. 
Galera, tô cansado, amanhã tenho compromisso, tô indo, abraço!
Cansado do mesmo e das mesmas pessoas, achou uma ótima oportunidade ir, sozinho, naquela festa rock, num lugar escuro, no qual as pessoas ainda fumam tranquilas e não sorriem pra parecerem felizes, além de não tirarem fotos o tempo inteiro.
Chegou lá.
Tava massa.
Como havia imaginado.
Só não havia imaginado aqueles olhos atrás daqueles óculos.
A moça pintara a pálpebra e ressaltou um mistério, uma intimidação convidativa naqueles olhos. Ao cruzarem os olhares, rolou (talvez tenha rolado) uma empatia descompromissada.
Ela exibia coturno, camiseta e tatoo.
Um “Red”! Vou lá. Mas falar o quê?
“O que que essa maravilha está fazendo aqui sozinha” com certeza não iria rolar.
Pensa.
Pensa.
Eureca!
Coragem. No máximo é um “não”.
Querendo impressionar, mandou um: O que você pensa sobre o imperativo categórico kantiano?
Ela solta um sorriso com um misto de deboche, desprezo, impaciência simpática.
A moça disse que a única moral que fazia sentido pra ela era a do super-homem nietzschiano, bem como achava, tipo o Raskólnikov do Dostoiévski , que era preciso não ser piolho, que o que você acha certo não é o que você realmente acha certo etc.
O papo continuou, quase um Eduardo e Mônica, tava ruim, mas tava bom.
Pelo menos ninguém perguntou o que o outro fazia, onde morava, o time, o filme, o ator, blá, blá, blá, falaram sobre coisas existenciais, as quais realmente são importantes, afinal, o que interessa senão tentar entender a existência?
Vamos andando?
Como assim “vamos”? Eu tô indo.
Pô, mas...
Tá. Bora. Mas não posso sair de um raio de 50 metros daqui.
?
Beleza.
Subiram num “Califórnia”. Sempre tem um Califórnia por perto.
Não precisa de detalhes. Isto não é um conto erótico. Mas foi tudo lindo.
Apenas cumpre ressaltar que num momento canela com canela o rapaz sentiu um arranhão de algo metálico. Ela tinha uma tornozeleira diferente. Bem diferente.
Vamos marcar depois... seu telefone...
Também gostei muito. Não tenho telefone. Pediu a conta?
Agora, às sextas-feiras à noite, o nosso personagem anda pelos bares existentes naqueles 50 metros.

No resto tempo pensa no porquê da tornozeleira e no papo e entende tudo, sem entender nada. 
(Imagem meramente ilustrativa)


Nenhum comentário:

Postar um comentário