segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Metapoesia em "Você não vale nada"

Tem sido bastante recorrente a crítica ao atual nível das composições das letras das canções nacionais. O que entendo ser um equívoco, uma análise estreita que não se permite enxergar o verdadeiro sentido do que os autores e músicos estão querendo trazer para o grande público. Escolhi, para mostrar o quanto esta avaliação é rasa, uma letra subestimada, tratada como algo banal, que diz que mesmo traído e desprezado o “corno” ainda fica atrás da pessoa amada. Vamos lá.

Entendemos que a principal chave para desvelar a real intenção do eu lírico é descobrir quem é o “você” da letra. Após debruçar-me com afinco na busca dessa resposta, acredito, humildemente, aliás a postura do crítico deve sempre ser de humildade frente ao seu objeto de análise, ter achado: a poesia! Isso mesmo, o autor mostra-se numa relação conflituosa com a poesia, poesia enquanto a vivência lírica, a experienciação poética no sentido mais amplo. Num mundo em que a questão da utilidade tem colocado a arte em segundo, terceiro, último plano, o poeta afirma que, mesmo não valendo nada – sem valor de uso ou de troca – ele gosta da poesia. Mas não é harmoniosa essa relação, pois logo em seguida o poeta questiona-se: Por quê? Afinal o que atrai tanto na poesia, a ponto de ser o “Tudo” que o poeta gostaria de entender na vida, evidenciando um movimento de exaltação do valor da lírica na sua existência.

Você não vale nada,
Mas eu gosto de você!
Você não vale nada,
Mas eu gosto de você!
Tudo que eu queria
era saber Porquê?!?
Tudo que eu queria
era saber Porquê?!?

Continua discutindo essa relação de amor e ódio com a poética:

Você brincou comigo,
bagunçou a minha vida
E esse meu sofrimento
não tem explicação.
Já fiz de quase tudo tentando te esquecer
Vendo a hora morrer
não posso me acabar na mão

A poesia brincou, uma clara menção ao elemento lúdico, do latim ludere, presente na construção poética desde Homero. A poesia brinca no movimento de mostrar e esconder a realidade, de ir na profundidade do ser humano a partir do que tem de mais superficial e isso desestabiliza o que o poeta chama de “bagunçou a minha vida”. Tenta esquecer e não consegue, quase um vício, uma necessidade da qual não pode fugir e ao mesmo tempo sente o transcorrer da vida sem conseguir desligar-se da busca da sua musa, então escreve, escreve, escreve, daí não querer “acabar na mão”, dado o esforço extremo que a construção da grande obra poética exige.

Outro ponto alto dessa canção é quando o poeta dá voz para que a própria poesia fale, na música cantada essa outra voz é marcada pela mudança do cantor para a cantora (um movimento sonoro belíssimo!):

Eu quero ver você sofrer
Só pra deixar de ser ruim
Eu vou fazer você chorar, se humilhar
Ficar correndo atras de mim

Temos aqui a poesia apresentando-se como um elemento de purificação da alma humana, sendo esse processo de purificação, de redenção, sempre marcado pela imposição da dor e sofrimento (Jesus, Édipo) nos escritos clássicos. Daí querer ver o poeta sofrer para deixar de ser ruim. Mesmo após o choro e a humilhação o poeta não deixará de correr atrás da poesia, ainda que nunca a encontre ele continuará essa busca que entende ser o único meio de conseguir compreender sua existência e suportá-la.

Bem, poderia expandir mais essa análise, mas como o blog tem a proposta de não demorar muito em suas explanações, fico por aqui. Espero ter contribuído para uma melhor compreensão dessa obra prima de nossa nova música, mesmo sem ter dado conta de sua complexidade, pelo menos iniciemos uma discussão mais ampla dessa arte que está aí e quer ser entendida.

Um comentário:

  1. Ai ai, Kadu... ri muito come sse post viu. A escolha da música foi acertadíssima e a análise tb. hahahaha Depois analisa "Telefone - Djavú"? kkkkkkkkkk []s Tamara

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